IstoÉ: 20 milhões de euros na conta master do propinoduto tucano
A conta secreta do propinoduto - Robson Marinho: tudo começou com ele?
Na edição da semana passada, ISTOÉ revelou quem eram as autoridades
e os servidores públicos que participaram do esquema de cartel do Metrô em São
Paulo, distribuíram a propina e desviaram recursos para campanhas tucanas, como
operavam e quais eram suas relações com os políticos do PSDB paulista.
Agora, com base numa pilha de
documentos que o Ministério da Justiça recebeu das autoridades suíças com
informações financeiras e quebras de sigilo bancário, já é possível saber
detalhes do que os investigadores avaliam ser uma das principais contas usadas
para abastecer o propinoduto tucano.
De acordo com a documentação obtida com
exclusividade por ISTOÉ, a até agora desconhecida “conta Marília”, aberta no
Multi Commercial Bank, hoje Leumi Private Bank AG, sob o número 18.626,
movimentou apenas entre 1998 e 2002 mais de 20 milhões de euros, o equivalente
a R$ 64 milhões. O dinheiro é originário de um complexo circuito financeiro que
envolve offshores, gestores de investimento e lobistas.
Uma análise preliminar da movimentação
da “conta Marília” indica que Alstom e Siemens partilharam do mesmo esquema de
suborno para conseguir contratos bilionários com sucessivos governos tucanos em
São Paulo. Segundo fontes do Ministério Público, entre os beneficiários do
dinheiro da conta secreta está Robson Marinho, o conselheiro do Tribunal de
Contas que foi homem da estrita confiança e coordenador de campanha do
ex-governador tucano Mário Covas.
Da “Marília” também saíram recursos
para contas das empresas de Arthur Teixeira e José Geraldo Villas Boas,
lobistas que serviam de intermediários para a propina paga aos tucanos pelas
multinacionais francesa e alemã.
O lobista Arthur Teixeira personifica o
elo entre os esquemas Alstom e Siemens. Como ISTOÉ já revelou numa série de
reportagens recentes, com base nas investigações em curso, Teixeira e seu irmão
Sérgio (já falecido) foram responsáveis por abrir as empresas Procint e
Constech, além das offshores Leraway Consulting e Gantown Consulting, no
Uruguai, com o único objetivo de servir de ponte ao pagamento de comissões a
servidores públicos e a políticos do PSDB.
Teixeira tinha acesso privilegiado ao
secretário de Transportes Metropolitanos, Jurandir Fernandes, e ao diretor de
Operação e Manutenção da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos),
José Luiz Lavorente, o encarregado da distribuição em mãos da propina.
Até 2003 conhecido como Multi
Commercial Bank, depois Safdié e, a partir de 2012, Leumi Private Bank AG, a
instituição bancária tem um histórico de parcerias com governos tucanos.
Em investigações anteriores, o MP já
havia descoberto uma outra conta bancária nesse banco em nome de Villas Boas e
de Jorge Fagali Neto, ex-secretário de Transportes Metropolitanos de SP (1994,
gestão de Luiz Antônio Fleury Filho) e ex-diretor dos Correios (1997) e de
projetos de ensino superior do Ministério da Educação (2000 a 2003) na gestão
Fernando Henrique Cardoso.
Apesar de estar fora da administração
paulista numa das épocas do pagamento de propina, Fagali manteria, segundo a
Polícia Federal, ascendência e contatos no governo paulista.
Por isso, foi indiciado pela PF sob
acusação de formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e evasão de divisas.
Fagali Neto também é irmão de José Jorge Fagali, que presidiu o Metrô na gestão
de José Serra. José Jorge é acusado pelo MP e pelo Tribunal de Contas Estadual
de fraudar licitações e assinar contratos superfaturados à frente do Metrô.
Para os investigadores, a “conta
Marília” funcionaria como uma espécie de “conta master”, usada para gerenciar
recursos de outras que, por sua vez, abasteceram empresas e fundações de
fachada, como Hexagon Technical Company, Woler Consultants, Andros Management,
Janus, Taltos, Splendore Associados, além da já conhecida MCA Uruguay e das
fundações Lenobrig, Nilton e Andros.
O MP chegou a pedir, sem sucesso, às
autoridades suíças e francesas o arresto de bens e o bloqueio das contas das
pessoas físicas e jurídicas citadas. Os pedidos de bloqueio foram reiterados
pelo DRCI, mas não foram atendidos. Os investigados recorreram ao STJ para
evitar ações similares no Brasil.
O MP já havia revelado a existência das
contas Orange (Laranja) Internacional, operada pelo MTB Bank de Nova York, e
Kisser (Beijoqueiro) Investment, no banco Audi de Luxemburgo. Ou seja,
“Marília” é mais um nome próprio no dicionário da corrupção tucana. Sabe-se
ainda que o cartel operado pelas empresas Siemens e Alstom, em companhia de
empreiteiras e consultorias, usava e-mails cifrados (leia quadro).
Os novos dados obtidos pelo
Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Internacional (DRCI) do
Ministério da Justiça dão combustível para o aprofundamento das investigações
no Brasil.
Além do processo administrativo aberto
pelo Cade sobre denúncia de formação de cartel nas licitações de São Paulo e do
Distrito Federal, outras duas ações sigilosas, uma na 6ª Vara Federal Criminal
e outra na 13ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, apuram crimes contra o
sistema financeiro, lavagem de dinheiro e improbidade administrativa.
Além de altos funcionários do Metrô,
como os já citados Lavorente e Fagali, as investigações apuram a participação
do ex-secretário de Energia e vereador Andrea Matarazzo, em razão de contratos
celebrados entre a Companhia de Energia de São Paulo (CESPE) e a Empresa
Paulista de Transmissão de Energia Elétrica S.A. (EPTE).
Na documentação encaminhada pelo DRCI
ao MP de São Paulo, a pedido do promotor Silvio Marques, também constam novos
dados bancários de vários executivos franceses, alemães e brasileiros que
tiveram algum tipo de participação no esquema de propinas.
São eles os franceses Michel Louis
Mignot, Yves Barbier de La Serre, André Raymond Louis Botto, Patrick Ernest
Morancy, Jean Pierre Antoine Courtadon e Jean Marcel Jackie Lannelongue e os
brasileiros José Amaro Pinto Ramos, Sabino Indelicato e Luci Lopes Indelicato,
além do alemão Oskar Holenwger, que operou em toda a América Latina.
Na Venezuela, Holenwger é citado junto
a Mignot, La Serre, Morancy e Botto em investigação sobre lavagem de dinheiro,
apropriação indébita qualificada, falsificação de documentos e suposta
corrupção de funcionários públicos do setor de energia.
O apoio das autoridades de França e
Suíça às investigações brasileiras não tem sido tão fácil, e a cooperação é
mais recente do que se pensava. O Ministério da Justiça chegou a pedir o
compartilhamento de informações ainda em 2008 – auge da investigação da Siemens
e da Alstom. Mas não foi atendido.
Os franceses lembraram que, nos termos
do acordo bilateral, a cooperação só pode se desenrolar por via judicial. Dessa
forma, foi necessário notificar o Ministério Público Federal para que oficiasse
junto à 6ª Vara Criminal Federal e à 13ª Vara da Fazenda Pública. O
compartilhamento só foi efetivado em dezembro de 2010.
A Suíça, ainda em março de 2010,
solicitou a cooperação brasileira na apuração das denúncias lá, uma vez que
parte do dinheiro envolvido nas transações criminosas teria sido depositada em
bancos suíços.
Os primeiros dados, relativos à empresa
MCA e ao Banco Audi de Luxemburgo, chegaram ao Brasil em julho de 2011. Foram
solicitadas ainda oitivas com determinadas testemunhas, o que foi encaminhado
ao MPF em São Paulo e à Procuradoria Geral da República (PGR).
Paralelamente, a Polícia Federal abriu
o inquérito nº 0006881-06.2010.403.6181, mas só no último dia 25 de julho o
procurador suíço enviou às autoridades os dados bancários solicitados, por meio
de uma decisão denominada “conclusive decrees”, proferida em 14 e 24 de junho.
Foi com base nisso que a Suíça já
bloqueou cerca de 7,5 milhões de euros que estavam na conta conjunta de Fagali
e Villas Boas, no Safdié. Tratou-se de uma decisão unilateral suíça e a cifra
não é oficial – foi fornecida ao Ministério da Justiça por fonte informal. A
Suíça só permite o uso dos dados enviados em procedimentos criminais.
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