O IDHM e a água
Por Roberto Malvezzi, Gogó
O olhar sudestino sobre o semiárido
costuma dizer que aqui nada muda e que hoje a nossa realidade ainda é a mesma
denunciada por Graciliano Ramos em sua obra prima "Vidas Secas”.
Agora, com a publicação dos Índices de
Desenvolvimento Humano, recentemente lançados, temos estatísticas para
confirmar o que vemos a olho nu aqui nos últimos trinta anos. A vida do povo
melhorou, se não é o paraíso, ao menos já não temos a intensa mortalidade
humana, sobretudo infantil, das décadas de 70 e 80, quando ainda morreram
milhões de pessoas de fome e de sede naquela longa estiagem. Esses indicadores
não flagram esses anos de estiagem, logo precisamos esperar por esses dados,
mas é visto a olho nu e pelas conversas diretas com a população em seus locais
de vida que agora já não se repete a tragédia social das estiagens anteriores.
Também sou daqueles que acham
necessários mais indicadores para realmente avaliar se a situação das pessoas é
mais humana. Esses indicadores deveriam incluir o saneamento e a degradação
ambiental. Com esses dois indicadores nossos índices com certeza despencariam
do nível que chegamos para médio e baixo num simples clicar de mouse.
Descendo às nossas cidades, como aqui
em Juazeiro, com o lixo pelas ruas, esgoto a céu aberto nas periferias,
mosquitos cobrindo a população, o IDHM chegou a 0,677. Campo Alegre de Lurdes,
onde cheguei para morar em 1980 e vi criança morrendo de inanição na seca de 82
como formiga em bico de passarinho, o índice agora é de 0,577. Lá até hoje não
tem sistema de abastecimento de água urbana e cada família tem que se virar com
sua água. Mas, agora tem as cisternas. Finalmente foi licitada a adutora para
levar água do São Francisco para Campo Alegre.
Mas, não podemos negar os avanços.
Afinal, se a longevidade dos brasileiros aumentou, é porque as condições
básicas da vida melhoraram. Sou daqueles que nas pastorais sociais e movimentos
sociais acabam apanhando por achar que essas conquistas, por muitos tidas como
insignificantes porque "não fizemos a revolução”, não tem valor. Vá
perguntar ao povo que colheu esses avanços no seu cotidiano se elas não lhe são
importantes!
Uma observação particular sobre o
semiárido. Nessa longa estiagem não tivemos o aumento da mortalidade humana e
nem infantil. O caso mais grave aconteceu em Alagoas, quando várias pessoas
passaram mal –parece que algumas faleceram– por razões de água contaminada.
Mas, foi um problema dos [carros] pipas, portanto, questão de vigilância
sanitária. Não mais porque simplesmente não havia água na região. Nosso
problema nessa longa estiagem é a mortalidade dos animais, não mais de seres
humanos.
O governo ainda nos deve a distribuição
da água pelas adutoras. Embora tenha feito algumas, preferiu a idiotice de
investir na transposição. Gastou dinheiro inútil e não avançou. Mas, há sempre
tempo para recomeçar.
Bem, muitos criticam nossas ações na
lógica da convivência com semiárido dizendo que ela não foi a resposta para
esses longos períodos de pouca chuva. De fato, não conseguimos ainda
universalizar essas tecnologias –cisternas de beber, de produzir, barreiros de
trincheira, barragens subterrâneas, etc.-, mas e ela que está na base da
melhora do IDHM do semiárido. Claro que também as políticas de distribuição de
renda, até o ‘Luz para Todos’, transporte, saúde e educação ajudam. Mas, se
faltar a água de qualidade e o alimento, não tem índice de longevidade que não
imploda.
Esperamos que o governo continue investindo
sério na lógica da convivência com o semiárido. Estamos longe de universalizar
o acesso à água, mas melhoramos, e muito. Esperamos também que o "olhar
sudestino” deixe de tentar inviabilizar os caminhos que os nordestinos vão
traçando. Fotografar um rio seco, uma lagoa seca e dizer que isso é uma
tragédia, é típico de quem nem sabe o que é o semiárido. Saibam que todos os
anos temos uma seca, 99% dos rios do semiárido são intermitentes, a água dos
reservatórios rasos secam todos os anos. Questão de beabá da região.
De Adital
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