"Ignorante" versus Idiota
"Seu Lunga", Joaquim dos Rodrigues, em sua quinquilharia, em Juazeiro do Norte (Foto: Divulgação)
[...] Assim como “Seu Lunga”, é preciso
que saibamos identificar tipos de idiotas: existe o idiota ocasional e o idiota
fundamental; o idiota pessoa física, e o idiota coletivo. O mala, o maria-vai-com-as-outras, o consumidor, o torcedor, o eleitor.
Todos, vulneráveis à manipulação, à manobra. e até à dominação.
E assim como existem os inofensivos, existem os de
alta periculosidade, estes, em geral, ativos, influentes, imodestos. Aliás,
alguém já disse que, atualmente, “o idiota, de um modo geral, perdeu a modéstia” o que é um
corolário da constatação genial de Nelson Rodrigues: “O grande acontecimento
dos nossos dias foi a ascensão espantosa e fulminante do idiota”.
E isso, então motivou mais ainda
“Seu Lunga” a ser o implacável combatente da idiotice.
Como dito em trecho anterior nesta crônica, “Seu Lunga” ficava
arretado quando contavam-lhe sobre a repercussão de suas histórias. Dizia: “é
tudo mentira. Não sou assim. Mas não adianta! Virou verdade, não me importo
mais”, admitia, calmo.
São muitas as suas tiradas
saborosas. Umas verdadeiras, outras inventadas e a ele atribuídas. Vejamos, a
seguir, algumas delas:
Seu Lunga estava coçando a cabeça
por cima do chapéu. Aí um cara perguntou: “Seu Lunga, por que não tira o chapéu
para coçar a cabeça?”
Seu Lunga, rápido no gatilho:
“Você tira as calças pra coçar sua bunda?”.
Certa vez, “Seu Lunga” estava baixando as portas do seu comércio, quando um
passante lhe indagou: Já está fechando, patrão? A resposta veio em cima das
buchas: “Não, idiota! Estou abrindo. Ou tu entende que eu abro pra baixo e
fecho pra cima”?
Seu Lunga estava sentado num
ônibus que vinha de Juazeiro a Fortaleza. Ao seu lado, um lugar vago, aí um
cara perguntou: “Seu Lunga tem alguém sentado do seu lado?”. “Se tem, tô cego.
Num tô vendo. Se você ta vendo, é uma alma. Pode sentar-se em cima que ela vai
embora”.
“Seu Lunga” ia saindo de casa,
quando deu de cara com um vizinho. - Bom
dia, Seu Lunga! Para onde vai tão cedo?
- Vou paro o enterro de Chico”.
- E Chico morreu?
- Não. A família se reuniu e vai
enterrar Chico vivo mesmo, idiota.
“Seu Lunga”, certa feita, levou seu
carro numa oficina. O mecânico, respeitosamente, perguntou:
- Patrão, seu carro está roncando?
- Como você vê, no momento está calado. Se ele ronca à noite, não sei. Ele
dorme na garage. Eu durmo no meu quarto. Não dá pra ouvir. Ande logo, rapaz! Diga
o defeito do carro e conserte logo essa geringonça, sentenciou “Seu Lunga”.
De outra feita, um amigo encontrou “Seu
Lunga”: “Faz tempo que não lhe via, compadre! Por onde o sinhô tem andado?”. “Pelo chão
mesmo. Ainda não aprendi a voar”.
No dia da eleição, Seu Lunga,
abusadíssimo, foi votar. A jovem mesária perguntou: “Veio votar, Seu Lunga?”.
“Não. Vim doar sangue pra Dilma, para o bem do Brasil”.
E assim, viveu “Seu Lunga”, dando
seu contributo a nossa cultura. Por isso, se diz, sem receio de erro, que o
folclore, o humor e a espirituosidade cearenses perderam um pedaço da sua
história. Tal qual o foram para a cultura nordestina, figuras exponenciais,
como: Padre Cícero, Frei Damião, Dom Hélder Câmara, Lampião, Antonio
Conselheiro, Luiz Gonzaga, Ariano Suassuna, etc. A propósito, acham-se nos
anais das principais Universidades nordestinas numerosas pesquisas
“post-mortem” sobre cada um desses personagens citados e, dentre eles, certamente, em breve, vai estar, também, “Seu
Lunga”.
Alguns dados biográficos
“Seu Lunga”, Joaquim dos Santos
Rodrigues, nasceu em 18 de agosto de 1927, no Sítio Gravatá, no município de Caririaçu
(CE). Viveu a infância com os pais e sete irmãos no município de Assaré (CE). Recebeu
o apelido ”Seu Lunga” de uma senhora, sua vizinha, que passou a chamá-lo de
Calunga, que mais adiante se reduziu para Lunga. Com 16 anos de idade, foi
morar no município de Juazeiro do Norte (CE). Casou em 1951 e tornou-se
pai de treze filhos. Faleceu em 22 de novembro de 2014.
Por Herculano Costa, 28/11/2014