Especialista prevê
ações no STF contra benefício a cônjuge de deputados
Congresso brasileiro é um dos mais caros do mundo, alerta
especialista
(Foto: Arquivo/Valter Campanato/Agência Brasil)
Ao autorizar o uso de verbas
públicas para a compra de passagens aéreas de cônjuge de parlamentares, o
presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), acaba por criar
mais um "telhado de vidro" para o Congresso Nacional. Na avaliação de
especialistas consultados pela Agência Brasil, parlamentar que usa
dinheiro público com esse propósito está sendo antiético e antirrepublicano,
uma vez que, devido à crise, o momento exige corte de gastos. “E comete também
uma ilegalidade, porque os benefícios à família não estão previstos na Constituição.
Portanto é bastante possível que alguém entre com ação de inconstitucionalidade
no Supremo Tribunal Federal (STF) contra essa medida”, disse o professor de
Ética Política da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Roberto Romano.
“É o indivíduo [que foi eleito] e
não sua esposa, papai ou cachorrinho. Isso é inaceitável, além de antiético e
antirrepublicano. Como justificar essas prerrogativas familiares em um país com
uma crise econômica como a nossa? Os deputados deveriam mostrar solidariedade
ao governo e economizar, em vez de fazer esse exibicionismo de privilégios.
Trata-se de mais um péssimo exemplo de nosso Legislativo, que desconhece que,
na República, todos são iguais”, acrescentou o especialista.
Para o diretor do Instituto de
Estudos Socioeconômicos (Inesc), José Antonio Moroni, os benefícios concedidos
por Eduardo Cunha evidenciam mais uma das contradições do Congresso Nacional.
“Quem aprova isso são os mesmos deputados que têm defendido cortes ou reduções
nos benefícios destinados às camadas mais baixas da população, como
seguro-desemprego es pensões. Não dá para considerar isso ético de maneira
nenhuma. Se eles quiserem, podem comprar passagens para as esposas ou maridos
com o dinheiro do próprio salário, que é bastante alto.”
As contradições vão além. “Os
deputados representam o povo. É de se esperar, portanto, que eles vivam também
as limitações e a rotina da população. Representar passa por isso. Caso
contrário, torna-se difícil para eles entender a realidade daqueles que representam.
Têm de fazer contas para passar o mês; têm de calcular seus orçamentos; têm de
passar o aperto que o brasileiro passa para poder representá-lo. Não pode estar
tão descolado da realidade de seu representado. Não pode ter distanciamento. Se
as verbas têm por objetivo facilitar a ele entender a rotina do representado,
elas [as verbas] têm de dar limites a ele”, argumentou o diretor do Inesc.
Segundo o diretor do Inesc, os
parlamentares recebem um “bolo de benefícios” bem maior do que passagens
aéreas, muitos deles, bastante questionáveis. “[O uso dos] Correios, por
exemplo. Antigamente era o único meio para o parlamentar prestar contas a seus
eleitores. Portanto, até fazia sentido o valor significativo destinado a isso.
Mas, com a internet, perdeu sentido usar material impresso para esse propósito.
No entanto, a verba foi mantida e, ao longo do tempo, foi aumentada.”
Cientista político e especialista
em comportamento eleitoral, o professor Leonardo Barreto explica que “por essas
e outras o Legislativo brasileiro é o mais caro do mundo", com cada
senador custando aos cofres públicos mais de R$ 33 milhões, e cada deputado, R$
10,2 milhões. "Para fazer esse cálculo, basta dividir o orçamento pelo
número de parlamentares. Daí o fato de o Congresso estar entre as instituições
que detêm os piores níveis de confiança da população”, disse ele.
Segundo Barreto, na Alemanha cada
parlamentar custa aos cofres públicos R$ 3,4 milhões; na França, R$ 2,8
milhões; no Canadá, R$ 2,3 milhões; no Reino Unido, R$ 2,2 milhões; no México,
R$ 1,89 milhão, e na Argentina, R$ 1,29 milhão. Portugal e Espanha estão entre
os mais baixos, com um gasto médio de R$ 952 mil e R$ 850 mil por parlamentar,
respectivamente.
“Qualitativamente, isso também é
um problema, porque a percepção de custo depende do beneficio que se tem. E, no
nosso caso, a população não vê isso no Congresso. Infelizmente, a tendência é
que essa situação piore, prejudicando ainda mais a reputação da Casa, que já
estava lá no chão”, completou.
De Brasília, Pedro
Peduzzi – Repórter da Agência Brasil, 27/02/2015 08h02