LEI ANTI-LEI
Por Inocêncio Nóbrega (*)
Renan Calheiros, presidente do Senado
Federal, em suas últimas entrevistas, no seu entender tem defendido construção
de nova lei, que se contraponha à 1.079/50, precisamente de 10 de abril desse
ano, assinada pelo presidente Eurico Gaspar Dutra. É bem anterior à Petrobrás e
Furnas. Derivada do Art. 89, da Constituição da República de 1946, ela define
os crimes de responsabilidade, bem como disciplina seu julgamento, quando praticados
pelo Presidente e vice da República, e seus ministros, inclusive do STF, neste
caso por manifestas condutas político-partidárias. O senador alagoano, que
presidiu as sessões do golpe contra a primeira mandatária da Nação, afirma,
ademais, que não terá prazo definido para fazê-lo e que essa reformulação é
necessária “para o fortalecimento da democracia e estabilidade política do
País”. Somar-se-á a nove projetos-de-lei
na Câmara e no Senado o PLS 284/87, de Cristóvam Buarque, e o PLS 741/11, de
Marcelo Crivella, ambos ligados ao esquema golpista.
Estamos
diante de um clamoroso sofisma. Ora, partindo-se da CF 1946 e sua respectiva
Lei Especial (1.079), chegando-se à vigente Carta Magna, não tinham elas
varinha de condão para antever uma composição do Congresso Nacional setenta
anos à frente, maioria dele desinteressada para com seus deveres éticos, morais
e o próprio Brasil. Como adivinhar um chantagista, o Eduardo Cunha e um amigo
da tortura, nas suas entranhas! Jogador de futebol, campeão de judô, policial
rodoviário transformados em juízes! Escreve recente editorial do “The New York
Times”: “elenco composto de 594 personagens teatrais dramáticas, que aparecem
diariamente na TV com falas sem conteúdo, no qual se incluem acusados de
assassinato e tráfico de drogas; mais da metade enfrentando algum tipo de
enquadramento, que vai do recebimento de propina à facilitação de contratos
públicos”. Que qualificação têm para
julgarem um processo de impedimento, sem crimes, da pres. Dilma Rousseff?
Embora se tratarde uma causa originariamente política e de objetivos políticos,
conforme sentenciou Paulo Brossard.
Não se tenta
modernizar uma lei simplesmente a substituindo por outra, de idêntico percurso.
O texto constitucional há de ser mexido, ambos retirando das duas Casas
Legislativas tais competências, de admissão e julgamento, remanejando-as, inicialmente, para um Fórum Especial, mais isento, seguindo-se, depois, para
avaliação e sentença final, através de um órgão transitório específico,
competente, tendo-se em mente a compatibilização entre a pretensa acusação de crime de
responsabilidade com a segurança dos sufrágios anteriormente auferidos pelo
acusado e fatores de ordem externa do País,
decorrentes da decisão a ser tomada. Com a qualidade da qual dispõem
nossos legisladores não esperemos que propostas oriundas de seu berço, como a
que referimos, venham na direção certa, só fazendo arar terreno
fértil para novas armadilhas contra a democracia. A iniciativa dessa mudança deve
partir da sociedade, após amplos debates através de segmentos mais proeminentes.
Ante o sistema eleitoral vigorante dificilmente haverá renovações qualitativas
do conjunto congressual. Sinais nebulosos observados na Justiça brasileira
também são pontos de risco, um e outro tornando impraticáveis coexistirem-se numa
gestão pública federal bem intencionada, enquanto perdurarem aqueles preceitos
legais de terror.
(*) - Inocêncio Nóbrega
é jornalista e escritor. (inocnf@gmail.com)
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