O traficante da favela
e o traficante do Senado
Por Guilherme Coutinho
(*)
Bandido bom é bandido morto. Traficante quando é alvejado pela
polícia é motivo de comemoração. Se ele estiver na favela. A imagem desse
bandido no imaginário brasileiro é sempre um negro, pobre, em uma área carente,
segurando um fuzil. Mas droga é um negócio lucrativo e nem todo traficante está
na periferia. Recentemente, um grampo da Polícia Federal flagrou uma frase
emblemática do Senador Zezé Perrella: "Não faço nada de errado, só trafico
drogas".
O Senador ficou politicamente marcado pelo caso de quase meia
tonelada de cocaína, encontrada no helicóptero pertencente a uma empresa de sua
família. O piloto, que era funcionário de seu filho, Gustavo Perrella, na
Assembléia Legislativa de Minas Gerais, foi preso e os Perrella absolvidos.
Zezé Perrella já era Senador, com foro privilegiado e ainda exerce seu mandato,
pelo PSDB. A conversa, divulgada pela PF, foi justamente com outro Senador
tucano, Aécio Neves, que cobrava de Perrella mais fidelidade em suas
declarações sobre a Operação Lava Jato.
O Senador reafirma que é inocente no caso do helicóptero e que foi
irônico na gravação da PF. Mas não há dúvidas de que os indícios de uma
ligação, ainda que indireta, com o tráfico são contundentes. No entanto, o caso
não ocupou tanto destaque nos noticiários ou nos debates nas redes sociais. A
polêmica declaração passou praticamente batida pela mídia ou pela ala
conservadora da sociedade. Afinal, Zezé Perrella é branco, rico, empresário,
senador e, no alto de sua moralidade, participou da comissão que julgou Dilma
Rousseff, por supostos crimes de responsabilidade.
Na periferia, não é preciso haver tantas evidencias. Ações
violentas nas favelas brasileiras é rotina. Muitas vezes, com mortes de
inocentes. Normalmente, os números não são tão divulgados, pois os mortos são
em sua ampla maioria negros e pobres. A sociedade aprova uma verdadeira chacina
étnica em nome da "guerra às drogas", e ao mesmo tempo admite que os
grandes casos de apreensão de drogas continuem obscuros e mal explicados.
No Congresso Nacional, a impunidade e indignação seletiva já estão
virando uma infeliz tradição do povo brasileiro. Na favela, a violência e a
arbitrariedade é uma triste rotina. Indícios de crimes, quando emergem em
ambientes tão distintos, despertam uma reação incrivelmente diversa das
autoridades e da população: a uns pena de morte; a outros, absolvição. E assim
segue a hipocrisia no país da desigualdade.
(*) - Guilherme Coutinho é especialista em direito público, Comunicólogo e responsável pelo blog Nitroglicerina Política. Artigo publicado em 31/05/2017, em Brasil 247
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