FINGIR
Inocêncio Nóbrega (*)
“Finge
(o poeta) completamente / Que chega a fingir
que é dor. / A dor que deveras sente. (Fernando Pessoa). Fingir, na língua portuguesa, advém do latim “fingó, is, ére” que,
em sentido figurado, se traduz por criar, imaginar, inventar, produzir. Na
sinonímica pode, ainda, significar: aparentar, arrematar, fantasiar, imitar,
simular, supor. Dele, deriva: fingimento, hipocrisia, simulação, impostura. É um
verbo regular, pois mantém o radical na sua conjugação, apenas se flexiona a
fim de se ajustar a regras ortográficas.
Há sempre o cuidado de empregá-las, tanto nos textos como nas
conversações coloquiais, assim aparecem sempre às ocultas. É uma figura de
tropo, e está mais para metonímia. Seu emprego, todavia, é intenso, estando presente no cotidiano das pessoas, dos
negócios, na vida pública, sobretudo na política, usadas em todas as classes
sociais, sempre como rebuços às suas práticas pessoais e profissionais.
Há poucos
dias, o ministro da saúde, Ricardo Barros, declarou, que os médicos “têm de
parar de fingir que trabalham”. Chico Pinheiro, apresentador da rede Globo, em
noticiário prontamente rebateu a acusação: “e o sr. Ministro finge que está
cuidando da saúde no Brasil”! A classe
médica não gostou, e soltou uma nota de repúdio.
Vamos ver, agora, o comportamento da
locução verbal, que deveria ser usada com transparência e cautela. Há muitos
casos, mas cito, somente, alguns, que me vieram à lembrança, tentando alterná-los
com seus sinônimos ou segundo o sentido da oração: as leis fingem que asseguram
direitos ao cidadão; os políticos (há exceções) simulam que promovem o
bem-estar da coletividade; os economistas falseiam ao falarem que a economia
vai muito bem; os três poderes da República se aparentam como harmônicos entre
si; supõe-se que a democracia seja um regime de plena liberdade; finjo que sou
honesto. Fingimento é um ato natural dos maus condutores da gestão pública.
É só ler a
bíblia e estará salvo - pura hipocrisia; os maridos fingem fiéis as suas
esposas; como juiz, finjo que aplico o direito e as leis com equidade; a
delação, apenas imita a verdade; o STF simula seja o guardião da Constituição
Federal; a Petrobrás, hoje, finge que o petróleo é nosso; as Forças Armadas
fingem que são patriotas; autoridades fingem que não são corrutas.
Sabemos que fingir, em certos casos, é
necessário. Imagine se as estatísticas não mascarassem os dados? São a
ferramenta de trabalho de muitos de nossos mandatários. Ao contrário, seríamos
neuróticos. O mecânico simula defeito do
carro, o chefe arremata motivos para desqualificar o funcionário ou empregado,
são exemplos, aos milhares deles. Finge-se que haja solidariedade entre as
pessoas. Eu mesmo finjo que escrevo bem.
(*) - Inocêncio Nóbrega é Jornalista /
inocnf@gmail.com - Publicado em 28/07/2017
Nenhum comentário:
Postar um comentário