Lula não para de crescer: vale tudo para abatê-lo
Por Roberto Amaral (*)
O fato de uma ou outra decisão
judicial, uma ou outra ação policial poder mencionar, a seu favor, o arrimo,
formal nalgum dispositivo legal, não as protege com o diploma da legitimidade,
nem da justeza, nem as salva do peso da ilicitude, quando a isenção se aparta
do julgador e a condenação do suspeito ou acusado escolhido a dedo para ser
acusado e condenado torna-se mais importante do que a busca da justiça.
E, ainda, o aparato judicial assume a política e passa a geri-la, não
exatamente como sujeito, mas simplesmente cumprindo o papel de despachante dos
interesses do mercado financeiro – o qual, segundo importante colunista de O
Globo, portanto alta autoridade nestes temas, reage positivamente à
possibilidade de defenestramento da candidatura Lula, o imperativo categórico
das forças dominantes.
A equação é simples: escolhido o réu, cuida-se de imputar-lhe um delito
(no caso de Lula, o tal tríplex que lhe teria sido doado pela OAS). Não há
provas? Ora, sobram convicções! Para transformar o desejo em realidade todas as
maquinações e manipulações e chicanas são chamadas à lide, porque é preciso
manter as aparências da legalidade formal (o farisaísmo do direito), sem
prejuízo da realização dos fins, a saber, condicionar as eleições de 2018 aos
interesses da súcia governante, delegada dos interesses da banca internacional
e seus associados da Avenida Paulista.
Assim, avulta a partidarização ativa do Poder Judiciário, agente de
primeira linha no processo golpista aberto com o impeachment. Cumpre-lhe
interferir no processo eleitoral para dele afastar o pronunciamento da
soberania popular: sai o povo de cena, e em seu lugar são ungidos os juízes;
sai o voto e passam a valer as sentenças e os acórdãos. Quem outorgou esse
mandato ao Poder Judiciário, exatamente o único dos poderes constitucionais que
não recolhe sua legitimidade na soberania do voto?
Sem despertar maiores surpresas para o observador da cena política de
nossos dias, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, segunda instância,
marcou para o próximo 24 de janeiro o julgamento da apelação (da sentença
condenatória expedida por Sérgio Moro) do ex-presidente Lula no já mencionado
caso do tríplex do Guarujá.
O que há por trás da decisão formalmente legal? O fato de ser uma decisão
política, a serviço dos que operam a sagração do regime autoritário que tomou
de assalto o Estado brasileiro. Seu objetivo final é prorrogar no poder a atual
correlação de forças, e para isso a condição sine qua non é retirar Lula, e o
que ele representa, do páreo eleitoral de 2018. O ex-presidente haverá de
carpir a ousadia de ser o líder nas pesquisas de intenção de voto. Mas punido
também será o povo, cujo poder decisório foi assenhoreado pela toga.
A segunda grande operação golpista começa, formalmente legal, com o
Tribunal da 4ª região apressando o julgamento da apelação de Lula. Dou a
palavra ao insuspeitíssimo O Globo (13/12/2017):
"A ação do caso tríplex teve o trâmite mais rápido no TRF-4 entre 24
apelações já analisadas pela segunda instância. São cinco meses e 24 dias
contados entre a apelação apresentada pela defesa do ex-presidente e a data
prevista de julgamento. Na maioria dos casos – 18 ações – o TRF-4 levou mais de
um ano para julgar as apelações. Apenas um quarto dos processos tiveram decisão
em menos de um ano. O julgamento da apelação do ex-deputado Eduardo Cunha, um
dos mais rápidos, levou sete meses e 22 dias".
Essa pressa, como tudo o mais, não é fruto do acaso, dos astros e dos
deuses. Há, atrás do 'mercado', da mídia, do Ministério Público, da Polícia
Federal, da maioria no Congresso, uma 'inteligência' (que não está no Palácio
do Jaburu) concertando as operações do sistema golpista que, neste episódio em
construção, tem manobras evidentes, a começar, pela decretação da
inelegibilidade de Lula, a primeira consequência da confirmação da sentença de
Sérgio Moro; a segunda será mesmo a possibilidade de sua prisão, pois ainda
prevalece a inconstitucional decisão do STF que legitima a execução de penas
restritivas da liberdade a partir da confirmação da sentença condenatória na
segunda instância.
A pressa se explica do ponto de vista processual: Lula precisa estar
condenado na segunda instância antes de agosto de 2018, mês dedicado ao
registro das candidaturas presidenciais.
Para todos os efeitos, 2018 já começou, trazendo para as ruas a sucessão
presidencial, e, ao invés do povo decidindo, temos como protagonista o Poder
Judiciário. Assim, em vez de um processo eleitoral, viveremos um processo
judicial, hoje dependente, neste país de mais de 141 milhões de eleitores, do que
pensam (três desembargadores, titulares da 8ª turma do TRF-4.
É a degradação da democracia representativa, corroendo os poderes da
República, doravante uma mera figura de retórica.
O Tribunal porto-alegrense já anunciou, em julgamentos anteriores, como também
nas declarações de seu presidente, a que veio, e o que dele é justo esperar.
Seu presidente, desembargador Carlos Eduardo Thompson, em entrevista a um
jornalão, declara que a sentença prolatada por Sérgio Moro, condenatória de
Lula, é "irrepreensível" e "irretocável". Esse
prejulgamento põe por terra qualquer expectativa de julgamento justo da
apelação de Lula
É evidente que estamos em face de uma coalizão que age em harmonia segundo
os objetivos que a unificam, a saber, independentemente do destino de Michel
Temer e seus asseclas, consolidar, se possível com o concurso da lei, mutável,
o Estado autoritário, regressivo em seus valores, antinacional e antipovo,
fundado num desenvolvimento dependente, e numa ordem econômica que mais e mais
aprofundará as distâncias sociais, a concentração de riqueza e o atrito social.
Essa coalizão, liderada ideologicamente pelos meios de comunicação de
massa, um 'estado' dentro do Estado, financiado pelo poder econômico e operado
pela tríade acima referida, tem objetivos claros e opera em consenso desde
2013, primeiro visando a interromper o governo de centro-esquerda; e agora, olhando
para 2018, no afã de impedir o retorno pela via eleitoral, das forças
derrotadas pelo impeachment de 2016.
As circunstâncias – sua força popular – fizeram de Lula o inimigo nº 1 do
atual establishment: ele é o adversário a ser abatido. Como deve vencer, não
pode ser candidato.
A condenação está em toda a mídia, insuflando acusadores e julgadores,
preparando a opinião pública para o desfecho encomendado, condenação e prisão
tanto mais necessária quanto o ex-presidente se apresenta para as eleições de
2018 sem concorrente à altura. Em qualquer hipótese, mesmo preso, será, como
Getúlio em 1945, o grande eleitor e as forças que representa encontrarão meios
de enfrentar os desafios que estão sendo montados para assegurar a vitória da
minoria.
Fracassada a tentativa de linchamento moral, tonitruada por todos os meios
disponíveis, Lula não para de crescer nas intenções de voto. Assim, foi posta
em marcha a segunda alternativa do arsenal reacionário, que consiste
simplesmente em impedir sua candidatura. São muitas as operações e a primeira
delas, decerto não a última, é a condenação no TRF-4, independentemente de
processo, de defesa e de contraditório, porque procuradores e juiz ouvem a voz
de uma 'firme convicção', tão forte, tão íntima, que está a dispensar demonstração.
Como os 'milagres' vendidos nas seitas neopentecostais, são uma pura
questão de fé. Com base nesse 'direito subjetivo', Lula, como combinado, foi
condenado na primeira instância, a agora tem sobre si, como espada de Dâmocles,
a ameaça de nove anos de cadeia. Foi condenado para não ser candidato. Agora,
ditam os deuses, precisa ser condenado na segunda instância que, dependendo das
contingências, poderá ser a instância final.
A imprensa faz sua parte retomando o terrorismo eleitoral de 1989 – quando,
na iminência de Lula derrotar Collor, o então presidente da FIESP, Mário Amato,
anunciava que com a eleição do metalúrgico 40 mil empresas abandonariam o
Brasil.
O noticiário dominante, mas principalmente as colunas assinadas por
jornalistas profissionais, unânimes em seu proselitismo, e tomando o pulso de
um etéreo "mercado", anunciam ora que a Bolsa caiu porque Lula subiu
nas pesquisas, ora que ela subiu porque Lula foi condenado.
Sempre de prontidão, o inefável ministro Gilmar Mendes, ainda presidente
do TSE, já ameaça abertamente a candidatura Lula: se sobreviver às armadilhas
que juncam seu ainda longo caminho até as eleições (TRF-4, registro de
candidatura, financiamento de campanha etc.) as 'caravanas', consideradas
propagando fora de época, poderão "levar à condenação por abuso de poder
econômico e à cassação de eventual diplomação" (O Estado de S. Paulo,
12/12/2017).
Se essa manobra falhar, há ainda a cartada do parlamentarismo na qual
investe o ministro do PSDB, o Palácio Jaburu, a imprensa e todas as formações
reacionárias. Os jornais dizem que o ministro e conselheiro de Temem já tem
pronto um projeto de reforma constitucional no bolso do colete.
Quando juízes de piso e ministros dos tribunais superiores julgam segundo
convicções subjetivas, quando um ministro do STF se comporta segundo interesses
de greis políticas, e chega mesmo a ser acusado por colega de "leniência
em relação à criminalidade de colarinho branco", o Poder Judiciário
transforma-se em agente de insegurança jurídica.
Isto, pelas suas consequências, é mais perigoso para o país do que um
presidente de República corrupto ou um Congresso desqualificado, ainda que
tenhamos as duas pragas de uma só vez, e pode atapetar a Estrada sempre
percorrida pelos adversários da democracia, mesmo dessa nossa democracia
mambembe, de que dependem os direitos dos trabalhadores e a emergência das
massas.
(*)
– Roberto Amaral é
Cientista
político e ex-ministro da Ciência e Tecnologia entre 2003 e 2004. Artigo publicado em Brasil 247, em 14/12/2017.
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