Para
especialistas, pedido de intervenção militar afronta Constituição e pode ser
crime
Outdoor pede intervenção militar no km
281 da Rodovia Régis Bittencourt,
no Jardim Pinheirinho, em Embu das
Artes (SP)
(Foto: Everaldo Silva/Futura Press)
(Foto: Everaldo Silva/Futura Press)
Manifestações por intervenção
militar, eufemismo para golpe militar, são uma afronta à Constituição e
poderiam ser caracterizadas como crime previsto na LSN (Lei de Segurança
Nacional), com pena de um a quatro anos de reclusão, segundo especialistas
ouvidos pela reportagem.
A expressão "intervenção militar" inexiste na Constituição e
começou a ser usada na internet por grupos minoritários na esteira dos
protestos de rua de junho de 2013.
Trata-se de uma interpretação "manifestamente errada" do artigo
142 da Constituição, segundo o ex-presidente do STF (Supremo Tribunal Federal)
Ayres Britto.
O artigo estabelece que às Forças Armadas competem três funções:
"defesa da pátria, garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa
de qualquer destes, da lei e da ordem".
Nenhuma deles, conforme o ex-ministro, autoriza o emprego de força militar
contra autoridades do Executivo a fim de destituí-las.
Britto mencionou que o artigo 142 trata "da defesa do Estado e das
instituições democráticas".
"Pedir intervenção é reivindicar para as Forças Armadas uma função
que não é delas. Qualquer saída de qualquer crise é pela Constituição e não da
Constituição", disse o ex-ministro.
Sobre o entendimento de que manifestações pela volta da ditadura militar
estão protegidas pela liberdade de expressão, valor consagrado na Constituição,
o ex-ministro discorda. "Esse tipo de pedido de 'intervenção' é
juridicamente impossível, porque é enlouquecidamente inconstitucional. Implica
um atentado contra o estado democrático e a ordem constitucional."
Britto também lembrou do
artigo 5º da Constituição, que diz ser "crime inafiançável e
imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem
constitucional e o estado democrático".
Assinada pelo presidente
general João Baptista Figueiredo no penúltimo ano da ditadura militar
(1964-1985), a LSN é controversa, mas já foi utilizada, por exemplo, contra
integrantes do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra).
No seu artigo 23, a LSN veda
incitar "à subversão da ordem política ou social" e "à
animosidade entre as Forças Armadas ou entre estas e as classes sociais ou as
instituições civis".
O artigo 22 também estipula
que é crime "fazer, em público, propaganda [...] de processos violentos ou
ilegais para alteração da ordem política ou social". Os dois artigos
preveem penas de 1 a 4 anos de reclusão.
Na opinião do desembargador
Fausto De Sanctis, do TRF (Tribunal Regional Federal) da 3ª Região, qualquer
direito, mesmo o da liberdade de expressão, não é absoluto.
"Há previsão legal, por
exemplo, que impede o indivíduo de fazer uma tentativa de ruptura do sistema
democrático. O direito da manifestação encontra limites na legislação
criminal", disse o juiz.
Como juiz federal de primeira
instância em São Paulo, Sanctis cuidou de casos criminais de grande
repercussão, como a investigação sobre o Banco Santos e as operações Castelo de
Areia e Satiagraha.
O advogado criminalista Luís
Henrique Machado, que atua em casos criminais no STF contra políticos com foro
especial, ponderou que "a situação é muito nova e tanto a Lei de Segurança
Nacional quanto o Código Penal falam em incitar e apologia como tipos
penais", mas "o problema todo é que isso tudo pode desembocar numa
discussão constitucional".
Machado deu como exemplo a
"Marcha da Maconha", em São Paulo, cuja legalidade foi questionada
mas acabou reconhecida em decisão do STF de junho de 2011. De acordo com o voto
do relator, o ministro Celso de Mello, o ato não constituía apologia ao crime,
prevalecendo as liberdades de expressão e de reunião.
"Porque o simples fato de
uma pessoa manifestar a liberdade de expressão e de pensamento não quer dizer
que ela esteja cometendo crime. No caso da marcha, por exemplo, não se levou
adiante um processo penal em razão dessas atitudes", disse o advogado,
para quem sobre a legalidade dos pedidos de "intervenção militar"
ainda não chegou aos tribunais.
"Em algum momento pode ser que essas
questões sejam analisadas pelo Judiciário em detalhes, e então as coisas
ficariam mais claras. Até agora isso não ocorreu."
Rubens Valente, de Brasília, (DF), para a Folhapress,
em 04/06/2018
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Trânsito do:
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