Quatro conquistas e um fracasso do grupo dos emergentes
O sétimo encontro de
líderes dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul)
que tem início
nesta quarta-feira na cidade russa de Ufá, ocorre num momento
econômico
particularmente difícil para parte do clube dos emergentes.
Rússia e Brasil devem ter recessão
este ano. A China está desaquecendo e a economia sul-africana deve crescer
cerca de 2%. Dos cinco Brics, o único que ainda empolga investidores é a Índia,
com um crescimento esperado de quase 8% para 2015.
Até o criador do termo Bric, o
ex-economista-chefe do Goldman Sachs Jim O'Neill, disse recentemente que se
sentiria tentado a reduzi-lo para "IC" - iniciais de Índia e China -
se os outros países não retomarem sua trajetória de crescimento até o fim da
década.
Chama atenção, porém, que mesmo
nesse cenário econômico desanimador parece haver menos ceticismo sobre a
solidez do grupo do que há alguns anos, segundo analistas consultados pela BBC
Brasil.
"Os Brics parecem ter
conseguido, em um espaço curto de tempo, criar uma dinâmica para assegurar sua existência
mesmo em um ciclo econômico desfavorável", opina Oliver Stuenkel,
especialista em Brics da Fundação Getúlio Vargas.
"De um lado, temos a
institucionalização do grupo com a criação do banco dos Brics e de uma reserva
emergencial para ajudar países em apuros financeiros. Do outro, há um
fortalecimento dos canais de diálogo entre os líderes dessas nações emergentes,
além de uma maior cooperação em áreas técnicas, científicas, acadêmicas e até
culturais."
Marcos Troyjo, diretor do BRICLab
da Universidade Columbia, concorda: "Basta comparar os Brics com o G7
(Grupo dos 7 países mais industrializados e desenvolvidos do mundo), por
exemplo. O que foi que eles fizeram em termos de construção institucional?
Nada. Até hoje se encontram apenas para trocar opiniões".
Agenda comum
O acrônimo Bric (que em um
primeiro momento não incluía o "s", de África do Sul) foi criado por
O'Neill como instrumento de análise financeira em 2001. Originalmente, se
referia às nações emergentes que, em 2040, teriam o mesmo peso econômico dos
países desenvolvidos.
Por volta de 2007, autoridades
desses países perceberam a possibilidade de explorar politicamente a ideia de
que suas nações teriam uma "agenda" comum.
Como resultado, a primeira
reunião de cúpula dos Brics ocorreu em 2009, na Rússia, tendo como bandeira a
luta pela reforma do sistema político e econômico internacional.
A África do Sul foi "incorporada" ao grupo em 2010.
É verdade que sempre houve
questionamentos sobre o potencial de cooperação dos Brics em função de suas
diferenças políticas e econômicas, de valores e interesses.
Mas apesar dessas diferenças,
analistas consultados pela BBC apontam quatro avanços que teriam marcado esses
sete primeiros anos dos Brics, juntamente com os problemas econômicos de alguns
de seus integrantes - considerados por eles seu grande "fracasso". Confira:
Avanços
1) Banco dos Brics
Os Brics já assinaram um acordo
para a criação de um banco que financiará obras de infraestrutura em países
pobres e em desenvolvimento, embora o projeto ainda precise ser ratificado pelo
Legislativo de alguns países.
O chamado Novo Banco de
Desenvolvimento (NBD), uma espécie de Banco Mundial dos emergentes, terá sede
em Xangai, na China, e um capital inicial de US$ 50 bilhões, dividido
igualmente entre os Brics.
Do ponto de vista financeiro, o
banco é interessante porque pode receber uma classificação de risco melhor que
as economias do grupo, captando recursos no mercado a um custo mais baixo.
Mas analistas também veem sua
criação como parte de uma ação política que teria como objetivo criar
alternativas à hegemonia americana e europeia no sistema financeiro
internacional.
Espera-se que, em Ufá, sejam
anunciados detalhes sobre quem fará parte da cúpula do novo banco e quais suas
regras de funcionamento.
"Ainda sabemos pouco sobre
como esse banco deve atuar. Ele poderá financiar uma empresa brasileira e uma
chinesa em uma obra na Namíbia, por exemplo? Quem poderá pegar empréstimos e em
que condições? Como ele se relacionará com outros bancos da Ásia, bancos de
desenvolvimento nacionais e o Banco Mundial? Tudo isso ainda precisa ser
esclarecido", diz Troyjo.
2) Arranjo de Contingente de Reservas (ACR)
Além da abertura do banco, os
líderes também já acertaram a criação de uma espécie de fundo para socorrer
membros dos Brics que tenham graves desequilíbrios em suas balanças de
pagamentos ou estejam à beira de um calote.
O esquema, batizado de Arranjo de
Contingente de Reservas (ACR), contará com um total de US$ 100 bilhões para
essas operações de resgate financeiro.
A China se comprometeu com US$ 41
bilhões; Brasil, Rússia e Índia, com U$ 18 bilhões cada; e a África do Sul, com
US$ 5 bilhões.
"Trata-se de uma espécie de
Fundo Monetário Internacional (FMI) dos emergentes, que não impõe tantas
condicionalidades para a liberação dos recursos", diz Troyjo.
"Pode ser um instrumento
importante principalmente para dissipar especulações com relação ao impacto
negativo de crises financeiras internacionais nos Brics".
3) Abertura de canais de diálogo
Segundo Stuenkel, os líderes do
Brics também perceberam ao longo desses sete anos que podem conseguir
"benefícios mútuos" com uma maior coordenação e a abertura de mais
canais de diálogos.
"A Rússia, por exemplo,
procurou o apoio do grupo quando tentava evitar o isolamento internacional em
meio a crise na Ucrânia", diz ele.
"Além disso, é claro que
dificilmente alguém do Itamaraty vai admitir isso, mas um presidente brasileiro
provavelmente não teria tantas oportunidades para se encontrar e falar com um
líder chinês não fossem esses encontros de emergentes." > Continue lendo esta importante matéria. Para isto, clic abaixo, em:
Marcus Vinicius de Freitas
professor de Relações Internacionais da Fundação Armando Alvares Penteado
(FAAP) concorda:
"Esses países perceberam que
têm interesses comuns principalmente no que diz respeito às mudanças do sistema
financeiro internacional - e que há muito espaço para uma coordenação nessa
área."
"Independentemente da
capacidade financeira e impacto econômico do banco dos Brics, por exemplo, sua
simples existência já institucionaliza um canal de diálogo constante entre
esses cinco países e suas instituições financeiras, algo que não existiria não
fosse esse projeto dos Brics", diz.
4) Cooperação em áreas diversas
Além do banco e do ACR,
integrantes do bloco também têm feito avanços na cooperação em outras áreas,
como educação, políticas de inovação, turismo e desenvolvimento de
infraestrutura, como enfatiza Paulo Wrobel, pesquisador do BRICS Policy Center,
centro de pesquisas ligado à PUC do Rio de Janeiro.
Em março por exemplo, ministros
dos cinco países se reuniram em Brasília para assinar um memorando de
entendimento para facilitar a cooperação nas áreas de ciência, tecnologia e
inovação.
Em fevereiro, os cinco ministros
de educação se encontraram para discutir a criação de uma rede universitária
dos Brics, a cooperação na área de educação técnica e profissional e a
elaboração de metodologias de avaliação do ensino.
Na área de comércio, um dos
projetos sobre a mesa é o uso de moedas locais para as operações de exportação
e importação entre países dos Brics.
Segundo os analistas consultados
pela BBC, porém, o avanço dessa proposta dependeria da iniciativa da China, que
mantém uma relação comercial expressiva com os demais países do grupo.
"Os encontros dos BRICS
também criaram oportunidades para a reunião de empresários e acadêmicos, e até
ONGs se mobilizaram, de modo que a sociedade civil acabou incluída nessa agenda
de cooperação", diz Wrobel.
Fracasso:
Crescimento econômico
Ainda que a falta de crescimento
em alguns países não pareça atrapalhar a institucionalização e consolidação dos
Brics no curto prazo há certo consenso entre especialistas de que, no longo
prazo, poderia ampliar desequilíbrios que ajudam a minar a base de coesão do
grupo.
Wrobel, do Brics Policy Center,
lembra que o PIB da China já é maior que o de todas as outras economias do
Brics juntas.
E com as economias da Rússia e do
Brasil se enfraquecendo, segundo ele, não é difícil imaginar que esse país
possa acabar tendo uma presença dominante no grupo, transformando o Brics em um
"C+4".
"É péssimo para os Brics que
o Brasil e a Rússia não cresçam", concorda Troyjo.
O especialista do BRICLab opina
que, apesar de o avanço da construção institucional do grupo ser uma boa
notícia, "se todos estivessem crescendo de maneira vigorosa haveria um
benefício também para esse processo".
"Também é fácil imaginar
que, diante da necessidade de promover um ajuste fiscal o Brasil possa ter
dificuldades em financiar os mecanismos que lhe garantiriam uma 'voz ampliada'
na agenda global", diz Troyjo.
"Ou seja, não adianta o país
pleitear um lugar privilegiado nas organizações internacionais com a ajuda dos
Brics se não tem condições de arcar com os custos financeiros que essa mudança
exige."
Da BBC Brasil em São Paulo, Ruth
Costas, 07/07/2015, às 08h02
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