Por Paulo Moreira Leite (*)
Pode-se medir o grau de gravidade
da crise política de um país quando o combate para paralisar um governo e abrir
caminhos de qualquer maneira para sua queda atravessa opções artificiais, sem
base legal.
A política adquire o perfil um
teatro do absurdo, mas é inteiramente real. Os humanos dizem frases
irracionais, os animais pronunciam frases sofisticadas – mas tudo segue como se
estivéssemos dentro da mais absoluta normalidade.
É isso o que acontece no Brasil,
neste momento. O governo foi forçado a suspender R$ 10,7 bilhões em despesas
não obrigatórias, ameaçando paralisar setores essenciais da administração, por
uma questão de sobrevivência imediata.
Numa situação de normalidade,
seria uma decisão inteiramente desnecessária, até porque situações dessa
natureza fazem parte da rotina de todos os governos brasileiros desde a criação
da Lei de Responsabilidade Fiscal, ainda no governo Fernando Henrique
Cardoso.
Mas vivemos uma situação
inteiramente anormal quando uma oposição tenta afastar uma presidente da
República sem base legal, sem que possa ser acusada de crime de
responsabilidade. Deste primeiro absurdo derivam todos os outros.
Estabelecido que é preciso um crime, procura-se uma prova.
Em posição de fraqueza, porque
sua base social rejeita uma situação de penúria e crise que não entende e não
aceita, o Planalto não pode dar pretexto ao Tribunal de Contas da União para
tentar apontar supostas pedaladas fiscais em 2015 e com isso ressuscitar
o projeto de impeachment. Em português claro, o nome da situação é chantagem.
Apesar de absurda, pode-se dizer
que, comparada com a situação anterior, o momento atual representa progresso.
Pelo menos agora se admite aquilo que pessoas alfabetizadas do ponto de vista democrático
sempre souberam: que é preciso respeitar o parágrafo 4 do artigo 86 da
Constituição, onde se define que uma presidente da República só pode ser
enquadrada por crime de responsabilidade ocorrido no exercício do mandato.
Diante disso, as supostas
pedaladas de 2014 – ou pseudo-pedaladas, como avaliam técnicos que dominam o
complicadíssimo universo dos orçamentos federais – que animaram a
oposição durante alguns meses têm pouca serventia política real. É preciso que
tenham ocorrido em 2015, depois da posse de Dilma para o segundo mandato.
Daí, a necessidade de evitar
ameaças – mesmo falsas, fabricadas, manipuladas – no ano em vigor, pois aí se
encontra um risco. > Continue lendo este artigo, após o merchandising, abaixo: >
(Dr.Luís Henrique Correia Lima de Oliveira)
Mas que risco é esse, vamos
perguntar?
O TCU é um tribunal apenas no
nome, por uma dessas cortesias perigosas de nosso vocabulário político e que,
com o tempo, tentam invadir áreas fora de sua competência e cobrar direitos
maiores do que possuem. Como sabemos, o TCU não "julga" nem
"condena" ninguém, pois não tem poderes para isso. Seus ministros não
são "juízes." São políticos que tiveram direito a uma segunda
carreira e agora prestam um serviço auxiliar junto ao Congresso – o termo
legal, incrivelmente modesto em relação ao barulho que tem provocado, aos
custos que representa – é este.
O "Ministério Publico do
TCU", responsável pela acusação contra o governo, não é reconhecido pela
Constituição. A Carta de 1988 fala em Ministério Público Federal, nos Estados,
em Ministério Público Militar e Ambiental. Não fala em MP do TCU – o que dá ao organismo
um caráter de fantasia legal.
Já o ministro Augusto Nardes,
relator da denúncia contra as contas do governo Dilma, é absurdamente real. Tão
real que se tornou investigado como suspeito de corrupção pela Operação
Zelotes. A Polícia Federal encontrou um bilhete no qual um dos envolvidos
escreveu a palavra "ministro" e, ao lado, a soma de R$ 2,6 milhões.
Em funções de outras circunstâncias, inclusive a atuação de um sobrinho no
esquema, a suspeita da PF é que Nardes seja essa pessoa.
A denúncia contra Nardes, que
precisa de novas investigações para ser esclarecida, encontra-se parada no
Supremo Tribunal Federal.
A falta de esclarecimentos de um
caso tão absurdo só interessa a quem procura provas para um crime que
ninguém demonstrou que tenha sido cometido. Mantida na gaveta, a denúncia
contra o ministro impede que as acusações contra Dilma no plano fiscal, o prato
de resistência do golpismo, sejam desqualificadas por um defeito de fábrica.
Deu para entender, certo?
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