Janot pediu a
Temer investigação internacional sobre o então ministro Serra
No início deste ano, quando ainda chefiava o Ministério Público, o então
procurador-geral da República Rodrigo Janot se reuniu com o presidente Michel
Temer a fim de pedir autorização do governo para uma investigação internacional
que envolveria o então ministro das Relações Exteriores José Serra.
Passados pouco mais de sete meses – período no qual Serra deixou o
governo, Rodrigo Janot apresentou duas denúncias contra Temer e teve
o mandato encerrado como procurador-geral –, a autorização para início
das apurações, por meio da formação de uma força-tarefa com investigadores da
Espanha, ainda não saiu.
O episódio, desconhecido até então, foi narrado em tom de indignação
pelo próprio Janot no mês passado, durante uma reunião de trabalho com
procuradores-gerais sul-americanos em Brasília. Na ocasião, Janot desabafou
sobre como o governo brasileiro, segundo ele, vinha dificultando a liberação de
equipes conjuntas de investigação.
Essas equipes consistem, basicamente, de forças-tarefa compostas por
investigadores brasileiros e estrangeiros, para atuar no Brasil e em países que
buscam ajuda para apurar suspeitas envolvendo brasileiros em seus territórios.
Como envolvem dois países, a liberação das equipes passa pelo Executivo,
que representa o Estado brasileiro em âmbito internacional. Na reunião de
trabalho, em 23 de agosto, na sede da Procuradoria Geral da República, Janot
desabafou com colegas de países vizinhos sobre “embaraços” do governo
brasileiro às investigações.
(Merchandising)
Deu como exemplo um pedido da Espanha, feito no ano passado, envolvendo
Serra. Janot aponta embaraços do governo em investigações durante reunião
com procuradores-gerais
“Houve a criação, no âmbito do Ministério da Justiça, de órgão chamado
DRCI [Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Internacional], que
originalmente não tinha essa vocação, que depois absorveu a matéria de formação
de equipes conjuntas. Depois, ao longo do tempo, se viu que o objetivo foi
exatamente esse: de criar embaraços na formação dessas equipes conjuntas, de um
lado, e, de outro, ter acesso às provas sigilosas que muitas vezes envolvem
pessoas do próprio Executivo”, disse Janot (leia ao final desta reportagem o
que diz o DRCI).
O agora ex-procurador-geral contou que a Espanha havia identificado uma
empresa que transferia dinheiro para campanhas de políticos brasileiros e
recebia suborno quando contratada no Brasil. De acordo com Janot, os espanhóis
já haviam, inclusive, identificado o caminho do dinheiro e o pagamento do
suborno.
O problema, disse à época, era que a tramitação do assunto no governo
passaria por um dos suspeitos: o próprio Serra, então ministro das Relações
Exteriores. Segundo Janot, caberia a ele, como chanceler, produzir o texto que
formalizaria a equipe de investigação conjunta. Janot relata encontro com Temer
para investigar José Serra
“Eu, naquela época, eu ainda não tinha uma ação penal contra o
presidente nem investigação. Fui ao presidente da República e disse:
‘Presidente, como é que nós vamos montar uma equipe conjunta cujo objeto é investigar
o chanceler se esse ato deve ser feito pelo chanceler?’ Depois que o DRCI
libera a parte técnica, ele é feito pelo chanceler’”, contou Janot, narrando
sua conversa com Temer.
Segundo Janot, Temer teria respondido que o texto seria tratado, então,
pela Casa Civil e pelo Ministério da Justiça. “Isso tem uns seis meses. Não
houve um ato de instrução sequer no pedido de investigação de equipe conjunta
com a Espanha”, desabafou Janot em seguida com os procuradores sul-americanos.
A agenda oficial da Presidência registra uma reunião entre Janot e Temer
no dia 15 de fevereiro, às 17h30. Uma semana depois, em 22 de fevereiro, Serra
pediu demissão do cargo de ministro, alegando problemas de saúde.
O DRCI, órgão do Ministério da Justiça citado por Janot por onde passa a
autorização para as equipes conjuntas, nega prejuízo ou atraso à investigação.
Na mesma reunião com procuradores estrangeiros, em agosto, Janot falou sobre
outros dois pedidos de ajuda internacional que ainda tramitavam no governo
brasileiro.
Ele contou que, ainda no ano passado, o procurador-geral da Suíça
comunicou ao Brasil a identificação de cerca de mil contas bancárias de
brasileiros, cujos valores haviam sido bloqueados para investigação. O suíço,
porém, disse que o MP local não teria estrutura para analisar as contas e
propôs repassar os dados ao Brasil.
Janot narra sobre pedido da Suíça para investigar ‘mil contas de
brasileiros’ O pedido de investigação conjunta foi feito pela Suíça ao
governo brasileiro, mas segundo relatou Janot, não teve resultado algum.
Ele contou que o Ministério da Justiça passou a se comunicar diretamente
com o MP suíço alegando dificuldades, entre as quais a que exigia do órgão
europeu informar as autoridades detentoras das contas a serem investigadas, sob
a justificativa que elas tinham foro privilegiado no Brasil.
Para Janot, tratava-se de um “obstáculo juridicamente incorreto”. “Isso
é uma mentira. A equipe brasileira é formada pelo procurador-geral, que
delegaria depois aos promotores naturais as investigações”, explicou.
Ou seja: para Janot, ele mesmo, e não o governo, deveria receber as
informações da Suíça e conduzir, junto ao STF, as investigações sobre
autoridades com foro privilegiado – posição que é criticada dentro do governo.
Janot afirmou que, posteriormente, como a equipe conjunta não começou a
funcionar, a Suíça teve de desbloquear as contas pela ausência de investigação.
O então procurador-geral também narrou aos colegas a situação de
um pedido de investigação da Argentina, “pior ainda”, relatou. O pedido de
investigação foi feito em junho deste ano, para apurar casos ligados à
empreiteira Odebrecht. No final de julho, os MPs de Brasil e Argentina se
manifestaram oficialmente apontando obstáculos por parte dos dois
governos.
Janot disse que, durante a tramitação do pedido, a PGR não era
comunicada sobre os entraves. “O DRCI, Ministério da Justiça, recusa a
formação, comunica à Argentina e não nos comunica. Sequer tomamos conhecimento
do Ministério da Justiça”, afirma Janot na reunião.
Ao concluir sua fala aos colegas sul-americanos, Janot afirmou que, em
razão dos obstáculos, a França foi “desaconselhada” a formular um pedido de
equipe conjunta. O país, segundo ele, descobriu atividades suspeitas envolvendo
pagamento de suborno a pessoas ligadas a partidos brasileiros. Com as
dificuldades, a França teria desistido de obter ajuda do Brasil. “Um absurdo
isso”, disse Janot na reunião. Janot diz que França desistiu de investigação
conjunta com o Brasil
À época das críticas de Janot, em agosto, o DRCI, ligado ao Ministério
da Justiça, informou que os pedidos de Espanha, Suíça e Argentina ainda estavam
passando por ajustes nas regras de funcionamento das forças-tarefa.
Nesta semana, antes da publicação desta reportagem, o órgão informou que
já havia encaminhado os pedidos para os três países – que tramitam em sigilo –
após algumas mudanças nos termos do acordo.
O chefe do DRCI, Luiz Roberto Ungaretti, nega prejuízo ou atraso às
investigações e diz que os países continuam investigando os casos, inclusive
com auxílio da DRCI. Quanto à tramitação dos pedidos, ele alega que tiveram de
ser feitas alterações para preservar a validade das provas a serem colhidas
pelas equipes.
Ungaretti explica que a redação original dos pedidos dava um
“protagonismo” aos ministérios públicos dos países na parceria, modelo comum na
Europa, mas que contraria as regras da legislação brasileira na investigação,
que tem participação maior da Polícia Federal. “O intuito aqui é ampliar as
investigações e não restringir”, diz Ungaretti, numa crítica a tentativas da
PGR de tomar a frente em investigações.
“Não houve por parte da antiga Secretaria de Cooperação Internacional
[da PGR] uma facilitação no sentido de tornar o trabalho da força-tarefa,
dentro de uma investigação internacional, conjunta, da PF com a PGR, mas sim
querendo assumir o protagonismo da investigação”, diz o diretor, que também é
delegado da PF.
Do ponto de vista jurídico, o entendimento do DRCI é que o governo deve
mediar a formação da equipe, já que acordos do tipo só poderiam, conforme a
Constituição, ser assinados pelo Executivo, a “autoridade central” que
representa o Estado brasileiro em âmbito internacional. Sem isso, as provas
poderiam ser invalidadas nos tribunais pela defesa de investigados.
“A Constituição, no artigo 84, prevê em um de seus incisos, que o
presidente da República é a autoridade competente para celebrar acordos,
tratados, instrumentos de cooperação internacional com os outros países. A
nossa preocupação não é se o Ministério Público vai investigar ou não. É com
esses elementos que forem colhidos com base nesse acordo, celebrado entre
ministérios públicos. Uma vez formalizados, qual vai ser a validade deles?”,
questiona Ungaretti.
Na visão de investigadores da PGR, o objetivo do governo é ter acesso às
provas, como disse o próprio Janot na reunião com os procuradores estrangeiros
em agosto.
Ungaretti rebate a crítica, dizendo que qualquer órgão pode vazar
informações. “Qualquer órgão pode ter um risco de vazamento relacionado a
questão política, como nós detectamos isso na própria PGR. Basta ver a
implicação de procuradores com suspeita de terem vazado informações. Outros já
foram até presos”, disse, em referência indireta a Marcello Miller e Ângelo
Goulart Villela, ex-integrantes do Ministério Público suspeitos de ajudar delatores
do grupo J&F.
De acordo com a DRCI, os pedidos de investigação conjunta já foram
enviados de volta a Espanha, Suíça e Argentina, que deverão agora analisar se
aceitam as novas regras para iniciar a montagem das equipes.
Com informações G1, em 23/09/2017
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