Associações condenam mudanças nas regras
de combate ao trabalho escravo
Por meio de uma nota pública,
associações representativas de juízes e procuradores trabalhistas, procuradores
da República, auditores e fiscais e advogados trabalhistas criticaram duramente
as mudanças nas regras de fiscalização e combate ao trabalho escravo
implementadas pelo governo Michel Temer.
Na nota, os procuradores afirmam que a portaria do Ministério do Trabalho
"está eivada de patente ilegalidade, exorbitando do poder regulamentar
atribuído ao Poder Executivo, que é secundário e não pode se sobrepor à lei. Ao
redefinir o conteúdo do art. 149/CP, contrariando a jurisprudência dos
tribunais e a própria compreensão da OIT, usurpa-se prerrogativa constitucional
conferida ao Congresso Nacional, na medida em que tal redefinição só poderia
ser realizada por lei em sentido formal", diz a nota assinada pela
Anamatra, ANPT, ANPR, Sinamait e Abrat.
O texto também ressalta que o conceito de escravidão contemporânea vai
além da mera restrição de liberdade ou aplicação de castigos físicos como
outrora, mas que "com efeito, a escravidão contemporânea se conforma
quando alguém exerce sobre outrem, direta ou indiretamente, atributos do
direito de propriedade, reduzindo o trabalhador à condição de coisa".
"De resto, a Portaria nº 1.129 viola frontalmente tratados e
convenções internacionais das quais o Brasil é signatário, a exemplo das
Convenções nºs 29 e 105 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), o que
pode gerar a aplicação de sanções internacionais ao Estado brasileiro,
comprometendo a imagem do país perante a comunidade internacional", destacam
as associações
Leia a íntegra da nota:
As entidades abaixo subscritas, representantivas de juízes do Trabalho,
procuradores do Trabalho, procuradores da República, auditores fiscais do
Trabalho e advogados trabalhistas, vêm a público registrar, quanto à publicação
da Portaria nº 1.129 do Ministério do Trabalho, o seguinte:
1. A Portaria n. 1.129/2017, a pretexto de regular a concessão do
seguro-desemprego a trabalhadores resgatados em situação de trabalho escravo e
a inclusão do nome de empregadores flagrados explorando o trabalho escravo na
chamada lista suja, redefiniu ilegalmente o conceito de trabalho em condições
análogas às de escravo, promovendo reducionismo semântico incompatível com a
redação do art. 149/CP e criando uma série de dificuldades administrativas para
a prevenção, a fiscalização e a punição dessa chaga social que envergonha o
país.
2. Já por isso, a portaria está eivada de patente ilegalidade, exorbitando
do poder regulamentar atribuído ao Poder Executivo, que é secundário e não pode
se sobrepor à lei. Ao redefinir o conteúdo do art. 149/CP, contrariando a
jurisprudência dos tribunais e a própria compreensão da OIT, usurpa-se
prerrogativa constitucional conferida ao Congresso Nacional, na medida em que
tal redefinição só poderia ser realizada por lei em sentido formal.
3. Para mais, a Portaria nº 1.129 esvazia os conceitos já consolidados de
trabalho escravo por condições degradantes e por jornada exaustiva,
condicionando sua caracterização à necessidade da existência do cerceamento da
liberdade de ir e vir, o que nem sempre ocorre. O atual conceito de trabalho em
condições análogas às de escravo busca preservar não apenas a liberdade do
trabalhador, mas também a sua dignidade inviolável, que muitas vezes é atingida
sem que necessariamente se verifique cerceamento em sua liberdade de locomoção.
Nas jornadas exaustivas, basta o excesso brutal de jornada, em condições
tendentes ao esgotamento físico e mental do obreiro; e, na submissão a
condições de labor degradantes, o que se recusa ao trabalhador é um patamar
mínimo de proteção de sua higiene, saúde e segurança, resultando em condições
de extrema precariedade e risco. Nas duas hipóteses, o constrangimento à
liberdade de ir e vir ou a própria ausência de consentimento não são condições
necessárias para a configuração do ilícito.
4. Com efeito, a escravidão contemporânea se conforma quando alguém exerce
sobre outrem, direta ou indiretamente, atributos do direito de propriedade,
reduzindo o trabalhador à condição de coisa. É o que já reconheceu, inclusive,
o Supremo Tribunal Federal e a Corte Internacional de Direitos Humanos (caso
Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde vs. Brasil), em que se previu
expressamente que não poderia haver retrocessos na política brasileira de
combate e erradicação do trabalho escravo.
5. De resto, a Portaria nº 1.129 viola frontalmente tratados e convenções
internacionais das quais o Brasil é signatário, a exemplo das Convenções nºs 29
e 105 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), o que pode gerar a
aplicação de sanções internacionais ao Estado brasileiro, comprometendo a
imagem do país perante a comunidade internacional.
6. Por fim, registre-se que a legislação brasileira e a atuação do Estado
brasileiro na luta pela erradicação do trabalho escravo sempre foram referências,
até então, perante diversos países do mundo, com reconhecimento público junto à
Organização das Nações Unidas (ONU) e à Organização Internacional do Trabalho.
Tais avanços estão agora em xeque, até que sobrevenha a revogação do ato
questionado. Segurança jurídica pressupõe, antes de mais, o diálogo franco e
aberto com a sociedade civil organizada, construindo-se cooperativamente os
parâmetros normativos em discussão. A unilateralidade, ao revés, estremece e
confunde.
De
Brasília, Brasil 247, em 19/10/2017
Campanha pela Educação do Trânsito, do:
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