Lua de mel do
Brasil com os EUA acabou cedo demais, diz economista
Jair Bolsonaro e Donald Trump (Foto: Manuel Ceneta/Sputnik)
Nesta
segunda-feira (2), o presidente norte-americano, Donald Trump, anunciou a
restauração de tarifas sobre o aço e o alumínio importados do Brasil e da
Argentina, países que, segundo ele, estariam desvalorizando suas moedas em
relação ao dólar e, assim, atrapalhando produtores dos EUA no mercado
internacional, sobretudo no setor agrícola.
A medida anunciada pela Casa
Branca foi a última de uma série de ações negativas adotadas por Washington em
relação ao Brasil nos últimos meses, que contrariam a tendência imaginada por
muitos para os laços bilaterais quando o atual presidente brasileiro, Jair
Bolsonaro, assumiu o poder, prometendo uma aliança praticamente automática aos
EUA.
Mesmo antes de ser eleito,
Bolsonaro sempre demonstrou grande admiração por Trump. E a suposta amizade
iniciada por ele neste ano vinha sendo apresentada como uma fonte de garantia
de inúmeros benefícios a serem obtidos pelo Brasil nessa relação com os Estados
Unidos, o que, até o momento, não ocorreu.
Além da taxação aos produtos
brasileiros, recentemente, o governo norte-americano também frustrou
expectativas brasileiras ao não cumprir efetivamente a promessa de apoiar a
entrada do Brasil na Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento
Econômico (OCDE) e ao manter o veto à entrada da carne bovina in natura
brasileira no mercado norte-americano.
De acordo com o economista
Lívio Ribeiro, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação
Getúlio Vargas (IBRE/FGV), a decisão tomada por Trump em relação a Brasil e
Argentina parte de uma premissa errada sobre a depreciação das moedas desses
dois países, de que a mesma teria ocorrido artificialmente, intencionalmente, o
que não reflete a realidade.
Na Argentina, ele explica, a
desvalorização do peso se deu em um contexto pré-eleitoral de preocupação sobre
uma possível guinada na política econômica do país com o retorno da esquerda ao
poder.
"Certamente, a
depreciação, no caso argentino, ela está associada a uma perspectiva de mudança
da política econômica, o que é bem diferente de dizer que o governo argentino
induziu o enfraquecimento da moeda", disse o especialista em entrevista à
Sputnik Brasil.
Já no caso brasileiro, a
desvalorização do real estaria ligada principalmente a fatores globais, como o
fortalecimento do dólar no mundo e o movimento dos juros longos americanos.
"Então, de fato, em ambos
os países, e de forma muito mais clara ainda no caso brasileiro, a depreciação
que ocorreu não pode ser qualificada como uma depreciação competitiva. E,
portanto, a alegação do presidente Trump está fundamentalmente
equivocada."
Segundo Ribeiro, o anúncio
feito pelo chefe de Estado americano nesta segunda-feira pegou o mercado
brasileiro de surpresa, principalmente por conta da justificativa apresentada
para essa taxação, o que traz até "certo desconforto":
"Na medida em que o
presidente Trump sugere a imposição de tarifas baseado em fatos... ou pelo
menos em uma leitura dos fatos que não é razoável, de que forma isso abre a
possibilidade para novos eventos pouco justificáveis ou pouco fundamentados
adiante?", questiona o pesquisador.
Para Juliana Inhasz,
economista e professora do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), a decisão
anunciada hoje por Donald Trump não lhe causou grande surpresa pelo fato de que
o líder norte-americano já vinha dando sinais contraditórios em relação à
América Latina e ao Brasil. A estranheza, segundo ela, é por conta de essa
"lua de mel" ter acabado "cedo demais".
"Acho que, de alguma
forma, a gente sabia que essa lua de mel, entre aspas, que o Brasil vivia com a
economia americana, em algum momento, iria acabar", disse ela em
declarações à Sputnik, também descartando a possibilidade de o governo
brasileiro ter tentado influenciar na desvalorização do real.
A especialista do Insper
considera que, dado o atual momento político dos EUA, onde, em meio a um
processo de impeachment, Trump se prepara para uma nova disputa eleitoral, o
anúncio feito por ele nesta manhã poderia muito bem configurar uma sinalização
para o público interno, para seus eleitores.
"Isso tem um claro viés,
um claro sinal, de que ele está querendo dizer para seus eleitores e,
eventualmente, para aqueles que ele ainda está tentando trazer para o seu lado
que existe uma política de proteção à economia local, aos produtores, a tentar
fazer com que os Estados Unidos continuem tendo o protagonismo na economia
mundial que sempre tiveram", explica Inhasz.
De Agência Sputnik, por Brasil
247, publicado em 03.12.2019, às 06h36
Nenhum comentário:
Postar um comentário