No ‘The
Guardian’, Lula defende diálogo entre os Estados Unidos e Irã
Lula e Celso Amorim, quando Presidente do Brasil e Min.das Relações
Exteriores, respectivamente (Foto: Divulgação)
O
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ex-ministro das Relações
Exteriores, Celso Amorim, publicaram artigo no jornal inglês “The Guardian”
nesta sexta-feira (10) em que defendem o diálogo como a única saída para
impedir uma escalada do conflito entre os Estados Unidos e o Irã, após o assassinato
do general iraniano Qasem Soleimani, no Iraque.
“Como
presidente e ministro das Relações Exteriores, sempre defendemos a paz. Na
guerra, todas as vitórias são “vitórias de Pirro”, escreveram Lula e Amorim.
No texto, o
ex-presidente Lula e Celso Amorim lembram do acordo costurado pelo Brasil em
2010 sobre a questão nuclear com Irã e a comunidade internacional. “Juntamente
com a Turquia negociamos com o Irã a “Declaração de Teerã”, a partir de uma
solicitação do próprio Presidente Barack Obama, feita em encontro à margem de
uma Cúpula do G8 ampliado em 2009 na Itália”, afirmam.
Confira a íntegra do artigo:
Brasil ajudou os EUA e o Irã em direção à paz. Diálogo
é a única resposta
O
assassinato do general iraniano Qasem Soleimani por meio de bombas lançadas a
partir de um drone, por ordem expressa do presidente dos Estados Unidos, lançou
o Oriente Médio – e o mundo – na mais grave crise para a segurança global desde
o fim da Guerra Fria, no final do século passado. Ao ordenar unilateralmente a
execução de um militar da mais alta hierarquia do Irã em solo iraquiano, o
presidente dos Estados Unidos, Donald Trump violou o Direito Internacional e
deu, de forma perigosa e irresponsável, um passo temerário na escalada de um
conflito com potencial impacto em todo o planeta.
Ainda não
conhecemos exatamente qual será extensão da reação do Irã a esse ato de guerra
não declarada. Mas já vemos prejuízos para a paz e a segurança na região com o
previsível ressurgimento da do Estado islâmico no Iraque e o retraimento de
Teerã em relação aos compromissos sobre limites de enriquecimento de urânio.
Podemos,
também, apontar com certeza quem ganhará e quem perderá com um novo conflito
bélico, tenha ele as proporções que tiver.
Há quem
sempre lucre com a guerra: os fabricantes de armas, os governos interessados em
pilhar as riquezas de outros Estados (sobretudo o petróleo), as megaempresas
contratadas a peso de ouro para reconstruir o que foi destruído pela insensatez
e cobiça dos senhores da guerra.
E há os que
sempre perdem: as populações civis, mulheres, crianças, idosos e, sobretudo, os
mais pobres, condenados à morte, à fome, à perda de suas moradias e à emigração
forçada para terras desconhecidas, onde enfrentarão a miséria, a xenofobia, a
humilhação e o ódio.
Como
presidente e chanceler do Brasil, na primeira década deste século, mantivemos
diálogos com presidentes norte-americanos e altas autoridades iranianas, na
tentativa de construir a paz, que acreditávamos ser o que mais importava aos
povos do Irã e dos Estados Unidos.
Juntamente
com a Turquia negociamos com o Irã a “Declaração de Teerã”, a partir de uma
solicitação do próprio Presidente Barack Obama, feita em encontro à margem de
uma Cúpula do G8 ampliado em 2009 na Itália.
Este
acordo, celebrado em 2010, saudado por especialistas em desarmamento de
diversas partes do mundo, inclusive o ex- Diretor da Agência de Energia Atômica
e Prêmio Nobel da Paz, Mohammed El Baradei, tinha o potencial de encaminhar uma
solução pacífica para a complexa questão do programa nuclear iraniano.
Além de
tornar o mundo um lugar mais seguro, estávamos contribuindo para que os dois
países, inimigos ferrenhos desde a revolução islâmica de 1979, pudessem
desenvolver um convívio pacífico e mutuamente respeitoso, conforme desejo
expressado pelo próprio presidente norte-americano.
Infelizmente,
fatores de política interna e externa nos Estados Unidos impediram sua adoção
naquele momento. Alguns anos mais tarde, porém, Obama firmou acordo de sentido
semelhante com o governo iraniano, posteriormente abandonado por Donald Trump
Somos e
seremos sempre defensores intransigentes da paz. Há, sim, uma guerra urgente
que precisa ser travada por todas as nações: a guerra contra a fome, que ameaça
um em cada nove habitantes deste planeta. O que se gasta num único dia de
guerra aliviaria o sofrimento de milhões de crianças famintas no mundo. É
impossível não nos indignarmos com isso.
Antes mesmo
da nossa posse, em novembro de 2002, em visita à Casa Branca, tivemos o
primeiro encontro com o então presidente George W. Bush. Havia por parte do
governante norte-americano uma obsessão em atacar o Iraque, com base em
alegações, que se revelaram falsas, sobre posse de armas químicas e apoio a
terrorismo. Dissemos ao Presidente que o a nossa obsessão era outra: acabar com
a fome e reduzir a pobreza em nosso país.
Não nos
envolvemos na coalizão contra o Iraque e condenamos o uso unilateral da força.
Apesar disso (ou, mesmo, por causa disso), Bush respeitou o Brasil. Cooperamos
em situações difíceis, como a criação do Grupo de Amigos da Venezuela e as
negociações comerciais da OMC. Mantivemos boas relações e contatos frequentes
sobre temas regionais e mundiais, mesmo com nossas divergências. O Brasil foi
um dos pouquíssimos países em desenvolvimento convidados para a Conferência de
Annapolis, convocada pelos Estados Unidos para discutir a retomada do processo
de paz no Oriente Médio, em 2007.
Temos a
convicção profunda, lastreada na experiência, de que a paz e o diálogo entre as
nações são, não apenas desejáveis, mas possíveis, desde que haja boa vontade e
persistência. Sabemos que soluções obtidas pelo diálogo são muito mais justas e
duradouras do que aquelas impostas pela força. A triste situação em que o
Iraque ainda vive, dezessete anos após o fatídico ataque de 2003, é a prova
mais eloquente da fragilidade dos resultados obtidos por meio de ações
militares unilaterais.
Na paz, os
países desenvolvem suas economias, superam diferenças e aprendem uns com os
outros, promovendo o comércio, a cultura, o contato humano, a pesquisa
científica e a cooperação humanitária. Na guerra, os países trocam mísseis,
bombas e mortes, degradam a qualidade de vida de seus povos, provocam a
destruição do meio ambiente e de ricos patrimônios históricos e culturais. A
realidade tem demonstrado, de forma cada vez mais clara, que, na guerra, todas
as vitórias são “vitórias de Pirro”.
É
profundamente lamentável que o presidente do Brasil Jair Bolsonaro, movido por
uma ideologia belicista de extrema direita e por uma vergonhosa subserviência
ao atual mandatário norte-americano, adote uma postura que contraria a
Constituição brasileira e às tradições da nossa diplomacia, coonestando o ato
de guerra de Donald Trump, justamente no início do ano em que este concorrerá à
reeleição.
Já que faz
pouco caso dos prejuízos humanitários provocados pela guerra, Bolsonaro deveria
levar em consideração as relações comerciais entre Brasil e Irã, país com quem
temos um superávit de mais de US$ 2 bilhões por ano. Acima de tudo, deveria
preocupar-se com a segurança do nosso país e do nosso povo, empurrado a apoiar
uma guerra que não é sua.
Neste
momento crítico que vive a humanidade, o Brasil tem que voltar a demonstrar o
que verdadeiramente é: um país soberano, defensor da paz e da cooperação entre
os povos, admirado e respeitado no mundo.
Lula é
ex-presidente do Brasil
Celso
Amorim é ex-ministro da Relações Exteriores
Artigo
publicado originalmente no The Guardian em 10/01/2020. Aqui, por Esmael Morais,Blog
do Esmael, publicado em 10.01.2020
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