Paulo Guedes
é suspeito de manter negócios ocultos
Ministro da Economia Paulo Guedes (Foto: Ministério da
Economia)
O
ministro da Economia, Paulo Guedes, voltou de férias na segunda-feira 13 e já
fará as malas de novo. Entre os dias 21 e 24 estará em Davos, na Suíça, para o
convescote anual da elite global. Essa turma evitou o Brasil em 2019. O fluxo
cambial no País ficou negativo em 44 bilhões de dólares, um recorde. A Bolsa
atingiu níveis inéditos, graças à queda dos juros básicos do Banco Central, não
ao crescimento do PIB, mas os gringos escaparam dela. Não importa. Guedes deve
se sentir em casa nos Alpes suíços, ele que enriqueceu no “mercado”, sócio de
empresas e fundos. No governo, sua gestão é do jeito que o diabo financeiro
gosta. “É um infiltrado na máquina pública. Fez uma aliança com o capital e tem
desenvolvido políticas públicas para essas alianças que construiu em seus
negócios privados durante a vida”, afirma o deputado Paulo Ramos, do PDT do Rio
de Janeiro.
Veterano da Assembleia
Constituinte, Ramos, de 77 anos, colocou Guedes na mira, por considerá-lo o
pilar de sustentação de Jair Bolsonaro. Ao longo de 2019, vasculhou a Junta
Comercial do Rio, foi atrás de uma investigação do Ministério Público Federal
sobre fundos de pensão, reuniu reportagens e terminou o ano com um presente
natalino para o ministro. Pediu à Procuradoria-Geral da República, que remeteu
o caso à Procuradoria no Distrito Federal, ao Tribunal de Contas da União e à
Comissão de Ética Pública uma investigação sobre o “Posto Ipiranga”, a fim de
provar que o ministro é sócio oculto de empresas e fundos beneficiados por
decisões do governo. Promete acionar o Supremo Tribunal Federal também, quando
a corte voltar de férias em fevereiro.
Guedes seria um caso para a
Lei de Conflito de Interesses, a 12.813, de 2013. O ministro, segundo a
denúncia de Ramos, “integra, seja como administrador ou sócio – inclusive
possivelmente oculto – uma vasta rede composta por bancos e fundos de
investimentos” que “possuem íntimas relações com entes estatais de mesmo
gênero, notadamente o BNDES”. Ao examinar dados de empresas às quais Guedes
era, ou é, ligado, o deputado identificou uma “curiosa coincidência”: outros
sócios ou cotistas “se revezam não apenas na mesma sociedade, como também em
várias outras, coligadas ou não, formando uma espécie de teia societária”, a
fim de “ocultar seu verdadeiro controlador”. Tradução: laranjal. Mais: “tudo
aponta” que Guedes, após aderir à campanha de Bolsonaro, comandou “uma série de
reestruturações societárias nas empresas, fundos e todo tipo de investimento em
que tivesse participação, a fim de se ocultar”.
Ramos tentou aproveitar a CPI
do BNDES, que funcionou em 2019 na Câmara, para saber mais sobre os negócios do
ministro. E esbarrou no presidente do banco. Compreensível. Gustavo Montezano é
homem de Guedes. Antes de assumir o BNDES, era secretário-especial-adjunto do
ministro para privatizações. Seu pai, Roberto, trabalhou em priscas eras com
Guedes no Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais, o Ibmec, criado pelo
ministro. Em agosto de 2019, a CPI pediu a Montezano informação sobre os
financiamentos do banco a empresas e fundos nos quais houvesse digitais de
Guedes. A resposta, segundo Ramos, chegou quando a CPI tinha terminado. Não
citava empresas, só setores. E continha uma incomum recomendação: manter tudo
em sigilo. O deputado nunca conseguiu uma cópia do documento, pode apenas olhar
e fazer anotações.
Rastro
O deputado Paulo Ramos, do PDT, quer entender melhor os negócios e as
motivações do ministro
Montezano passou por outra
cria de Guedes, o BTG Pactual. Foi sócio e diretor do banco de 2008 até entrar
no gasoduto no Amazonas. Parece que valeu a pena um dos sócios do banco, André
Esteves, esforçar-se para estar na ala vip na posse de Guedes, de quem havia
sido estagiário. Em janeiro de 2019, Esteves tinha acabado de voltar à ativa no
BTG, após ser inocentado por falta de provas em um caso da Operação Lava Jato
que o levara à cadeia em 2015.
O BTG deve ter ficado feliz
com uma decisão de dezembro do ministério de Guedes. O órgão anunciou os
vencedores de um processo seletivo de escolha de empresas que, em troca do
acesso aos valiosos dados pessoais de 1,2 milhão de servidores federais,
aposentados incluídos, arranjam descontos para o funcionalismo em compras de
bens e serviços. A seleção foi acusada de “práticas imorais” por uma empresa
competidora, a Markt, autora de uma ação judicial, e sofreu uma tentativa de
impugnação por parte da federação dos policiais federais, conforme revelado
pelo site de CartaCapital em setembro. Em uma audiência pública com deputados,
a federação fez coro à suspeita de que tudo foi feito para favorecer o BTG. Uma
das concorrentes da seleção era uma star-tup na qual o banco havia decidido
botar fé, a Allya, semanas antes do anúncio do processo seletivo. A Allya foi,
de fato, escolhida.
Não ponha seu lixo em terrenos baldios!
Relações
Gustavo Montezano, ex-funcionário de Guedes,
ganhou cargo no governo
A exemplo do próprio “Posto
Ipiranga”, Montezano é egresso do setor privado. Entrou no governo graças ao
ministro e, um dia, provavelmente voltará aos negócios privados cheio de
informações. É o tipo de situação descrita pelo economista americano Joseph
Stiglitz como “porta giratória”, aquele vai e vem de profissionais entre cargos
públicos e privados, que configuraria uma espécie de… deixa pra lá. Um caso
similar é citado por Ramos na denúncia contra Guedes. É o do engenheiro Eudes
de Gouveia Varela, de 66 anos. Este foi sócio de Guedes em uma empresa que não
chegou a iniciar as atividades, o Centro de Estudos e Pesquisas Minerais
Capitão Felizardo. Varela foi nomeado por Guedes para o conselho de
administração de duas estatais, o Banco do Nordeste e a Embrapa.
O deputado não mencionou, mas
podia, Daniella Marques Consentino. Aos 40 anos, ela é formada em administração
de empresas e trabalhou com Guedes no setor privado por uma década. Desde o início
de 2019, é chefe da assessoria especial de Assuntos Estratégicos do Ministério
da Economia. É uma das figuras mais próximas e da maior confiança do “Posto
Ipiranga”. Acompanha-o em reuniões, eventos e audiências públicas no Congresso.
Uma dessas audiências, em abril de 2019, terminou em confusão depois que
o deputado Zeca Dirceu, do PT do Paraná, disse que Guedes era “tchutchuca” com
banqueiros e “tigrão” com os pobres”, e o ministro devolveu: “Tchutchuca é a
mãe, é a avó”. Consentino aconselhou o chefe a ir embora e foi detida por
alguns instantes pela polícia legislativa, acusada de agressão pela deputada
Maria do Rosário, do PT gaúcho.
Eli Horn, bilionário paulista, frequenta o ministério
e teria ligações com a milícia bolsonarista
Até a quarta-feira 8, a assessora
constava nos registros da Receita Federal como diretora da empresa Mercatto A2
Participações e como representante legal da Crescera Investimentos em
outra empresa, a BP Venture Capital. A Crescera é o nome atual da Bozano
Investimentos, empresa da qual Guedes era sócio (ainda seria, de forma oculta?)
até entrar no governo. A lei dos servidores, a 8.112, de 1990, proíbe-os
de “participar de gerência ou administração de sociedade privada, personificada
ou não personificada, exercer o comércio, exceto na qualidade de acionista,
cotista ou comanditário”. Um veto destinado a evitar que um funcionário
público defenda, no governo, interesses particulares. Consentino diz ter saído
de todas as empresas antes de ingressar no ministério e que deve ter havido
alguma falha de atualização cadastral.
O ministro é alvo de
investigações por fraudes cometidas contra fundos de pensão. Familiares e
sócios estão na mira em outros processos
Em 22 de abril de 2019, ela
reuniu- -se no ministério com um dos sócios da Crescera, e, portanto, seu chefe
quando ela era representante legal da empresa na BP Venture Capital, o
bilionário Elie Horn. Em seguida, com dirigentes de uma filantrópica criada
pelo empresário, o Instituto Liberta, de combate ao abuso sexual
infantil. Teriam sido reuniões sobre o programa de incentivo ao voluntariado
que o governo lançaria dali a alguns meses. Horn e a Liberta são nomes que
correm na CPI das Fake News. Chegou a integrantes da comissão a informação de
que o bilionário teria sugerido usar o Liberta como canal de financiamento das
milícias digitais bolsonaristas na eleição. Grana empresarial entraria no
instituto e este contrataria uma agência de marketing, a Cucumber, para
pagar o submundo na internet. A agência é da esposa do secretário de
Comunicação Social da Presidência, Fabio Wajngarten, de origem judia, como
Horn. Será que Guedes, rico e experiente em arquitetura financeira, teria
auxiliado a financiar essas milícias? É uma dúvida de Ramos.
Consentino foi convocada a depor
em novembro de 2018 pelo Ministério Público em Brasília em uma
investigação aberta um mês antes contra o “Posto Ipiranga” por suspeita de
fraude em investimentos em educação feitos por um fundo do ministro, o BR
Educacional, com dinheiro obtido em fundações de pensão estatais. É uma
apuração no âmbito da Operação Greenfield, uma das cumbucas em que Ramos meteu
a mão. Começou com seu conteúdo tornado público pelo chefe da
força-tarefa da Greenfield, o procurador Anselmo Henrique Cordeiro Lopes, mas
depois se tornou sigilosa, a pedido do procurador Henrique de Sá Valadão, atual
responsável pelo caso.
Gustavo Guedes, irmão do
ministro, também é investigado pela Greenfield e chegou a depor. Contou,
conforme relatado por CartaCapital, que o investimento suspeito foi idealizado
para ajudar as Organizações Globo, o que talvez explique por que o
inquérito agora corre em segredo. Gustavo mostra como a biosfera do irmão é,
digamos, tóxica. Em 2007, ele foi condenado pela Comissão de Valores Mobiliários,
a CVM, “xerife” do mercado acionário, por uso de informação privilegiada.
Em 1999, a família Guedes era sócia em um fundo, o JPG, que decidira comprar
ações de uma empresa, a Cambuci, depois que um analista a serviço do fundo
descobriu que a companhia renegociaria dívidas bancárias. Paulo Guedes só
não foi condenado por Gustavo ter dito à CVM que tinha feito tudo sozinho. A
punição não doeu. Uma advertência, apenas.
Saiba que dia passa a coleta de lixo em sua rua!
Outra sociedade dos irmãos, o
fundo GPG, beneficiou-se de coisa mais pesada. Fraudes e ilícitos. É o
que diz uma sentença de julho de 2018 do juiz Tiago Pereira Macaciel, da
5a Vara Criminal do Rio. O fundo ganhou cerca de 600 mil reais graças a
um prejuízo imposto ao fundo de pensão dos funcionários do BNDES, o Fapes, por
uma corretora, a Dimarco, que, em 2004, intermediar negócios feitos com
dinheiro das duas partes, em operações conhecidas como day trade. Macaciel condenou dirigentes
da corretora, hoje extinta, a quatro anos de prisão, por gestão fraudulenta.
Esse episódio é citado na portaria da força- -tarefa da Greenfield, que
abriu a investigação contra os irmãos Guedes. A propósito: a irmã deles,
Elizabeth, comanda desde abril de 2019 a associação das universidades
particulares. Os filiados da Anup beneficiam-se de dinheiro da Caixa Econômica
Federal nas bolsas do Fies e do ProUni. O presidente da Caixa, Pedro Guimarães,
está no cargo por escolha de Guedes.
O deputado Ramos quer saber se
Guedes tem relação com o financiamento das milícias bolsonaristas nas redes
sociais
Dois meses antes da sentença do juiz
Macaciel, a biosfera do ministro tinha sido atingida por outra operação, a
Câmbio, Desligo, que desbaratou uma megarrede ilegal de doleiros. Um dos
presos, Oswaldo Prado Sanchez, era colaborador antigo de um bilionário, Júlio
Bozano, de quem Guedes foi sócio (ainda seria, de forma oculta?) na
Bozano Investimentos até chegar ao governo. Foi denunciado pelo Ministério
Público à Justiça fluminense por lavagem de dinheiro, evasão de divisas e
organização criminosa. Fechou uma delação, sobre a qual não se sabe nada.
Sanchez fornecia dólares ao esquema, obtidos inclusive em contas pessoais de Júlio
Bozano. Este estava fora do “mercado” desde 2000, por causa de fraudes
financeiras descobertas pelo Banco Central. O BC queria banir o bilionário do
sistema financeiro. Ele recolheu-se por um tempo. Voltou à praça em 2013,
em sociedade com Paulo Guedes, na Bozano Investimentos, hoje rebatizada de
Crescera.
Internamente, Guedes diz ter se
afastado de todos os seus negócios antes de assumir o cargo. CartaCapital
questionou-o, via assessoria de imprensa, sobre as acusações do deputado
Ramos, mas não obteve resposta até a conclusão desta reportagem, na
quinta-feira 9.
De Carta Capital, com Brasil 247,
publicado em 14.01.2020, às 15h35
Jogar lixo deliberadamente na rua dá multa!
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