O tiro de Bolsonaro
contra a "imprensa de papel" pode sair pela culatra
Bolsonaro visita Planta Farmoquímica Oncológica do Grupo Cristália (Foto: Divulgação)
Jair Bolsonaro mal disfarçou a
intenção. Ao justificar, em um evento em Itapira, no interior de São Paulo, a
assinatura de uma medida provisória que desobriga as empresas de capital aberto
de publicarem seus balancetes em veículos impressos, disse que retribuía “parte
daquilo que a grande mídia” atacava. “Assinei uma medida provisória
fazendo com que os empresários que gastavam milhões de reais ao publicar
obrigatoriamente por força de lei seus balancetes possam fazê-los no Diário
Oficial da União a custo zero”, disse.
A medida pode ser um golpe mortal para veículos que concentram parte
dessas publicações. Em 2018, o site PropMark divulgou que o mercado de
publicidade legal movimenta, anualmente, R$ 600 milhões. A exigência de
publicar demonstrativos financeiros está na Lei 6.404, de 1976.
No ano passado, um único grupo divulgou um balanço que exigiu 60 páginas
de jornal. A expectativa do mercado era de crescimento. Era.
Bolsonaro citou nominalmente o Valor Econômico, demonstrando incômodo
por ter sua política econômica comparada, pelo jornal, à da ex-presidenta Dilma
Rousseff.
Usando a caneta como uma ameaça, ele ironizou a chamada “imprensa de
papel” e disse que a ação era uma resposta à mídia que o chamava de “fascista”.
Falou em tirar mais um peso das costas dos empresários e tentou ensinar como a
imprensa deveria trabalhar.
Não faltou sequer posar de bom moço que evita cortes de árvores para
fabricação de papel celulose, mas o anúncio pode ser, na prática, um tiro no
pé. Outro, aliás.
Primeiro porque a medida deve atingir, a principio, veículos regionais –
muitos deles de propriedade de caciques políticos que já se arrepiam e se
organizam pra “mudar isso aí”, enquanto os veículos nacionais, de grande
circulação - justamente os que mais o incomodam - por possuírem outras formas
de se financiar, tendem a absorver o tranco.
Ao atrelar a canetada a um incômodo com o trabalho da imprensa,
Bolsonaro assume sua guerra particular com quem se nega, até aqui, a trocar o
jornalismo e o monitoramento das ações do governo pela bajulação.
Quanto mais cava, mais Bolsonaro parece sozinho numa trincheira de
opiniões que reforça sua pecha de antidemocrata, como se observou na (nova)
reação do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), ao dizer que se
preocupava com o futuro de um instrumento “ainda muito importante da divulgação
da informação, da garantia da liberdade de imprensa, da liberdade de expressão,
da nossa democracia”.
Goste-se ou não, a publicação de balanços era uma forma de as empresas
prestarem contas de sua atuação a seus acionistas, à sociedade, às comunidades
onde atuam. A birra de Bolsonaro com a imprensa o levou a tomar uma medida que
reforça a imagem de um presidente com problemas com os mecanismos de
transparência.
Mais uma vez, ele sinaliza que prefere jogar no escuro, como já havia
feito ao contestar os números do desmatamento e outros estudos que não se
ajustam à sua realidade paralela.
Por Matheus
Pichonelli, Yahoo Notícias, em 07/08/2019
Nenhum comentário:
Postar um comentário