Jornais já
criticam imoralidade de Temer

A decisão do Palácio do Planalto de blindar Geddel Vieira Lima,
que será investigado pela comissão de ética por usar seu cargo público para
obter vantagens pessoais (a liberação de uma obra onde tem um apartamento de R$
2,4 milhões), criou um constrangimento adicional para Michel Temer, que decidiu
blindar seu parceiro de 2 anos.
Até mesmo os jornalões das famílias Marinho e Mesquita, aliados de
primeira hora do golpe parlamentar de 2016, não conseguem encontrar
justificativas para defender o indefensável: a permanência de um ministro
acusado de corrupção num caso praticamente já comprovado, num dos cargos mais
importantes da República.
Leia, abaixo, editorial do Estado
de S. Paulo:
Sobre a imoralidade
Por opção do presidente Michel
Temer, Geddel permanece no cargo, enquanto o ministro que denunciou suas
práticas patrimonialistas saiu do governo
A persistência da confusão entre o público e o privado, que se
manifesta especialmente na concepção segundo a qual o Estado é propriedade de
quem está no poder e, portanto, deve servir aos interesses privados das
autoridades, está na raiz do grande atraso nacional. Sendo assim, se o Brasil
realmente tem a intenção de superar seu crônico descompasso com o mundo
desenvolvido, o primeiro passo deve ser a renúncia à velha prática do
patrimonialismo. Mas o recente caso envolvendo o ministro da Secretaria de
Governo, Geddel Vieira Lima, que tentou usar sua influência para mover a
máquina do Estado a favor de seus negócios particulares – e ainda assim foi
mantido no cargo –, serviu para lembrar que infelizmente estamos muito longe de
dar esse passo.
Geddel, como se sabe, comprou um apartamento num prédio de
Salvador cujas obras acabaram embargadas pelo Instituto de Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional (Iphan). Diante desse contratempo, o ministro poderia ter
recorrido aos serviços de um advogado, como faria qualquer cidadão comum, mas
preferiu o atalho por onde transitam os cidadãos que se julgam incomuns:
procurou o então ministro da Cultura, Marcelo Calero, a cuja pasta se subordina
o Iphan.
Diante da pressão, Calero decidiu pedir demissão e revelar o caso
à imprensa. Em entrevista à Folha de S.Paulo, contou que a gestão de Geddel
para que a obra fosse liberada foi explícita, incluindo uma ameaça de “pedir a
cabeça” da diretoria do Iphan e de falar “até com o presidente da República”.
No dia seguinte, Geddel disse ao Estado que Calero estava “exagerando”, mas
admitiu que conversara com o colega sobre a necessidade de liberar a obra. “Que
ilegalidade há nisso? Qual a imoralidade que há em tratar desse tema com um
colega meu?”, perguntou Geddel na entrevista. Quando um ministro de Estado
flagrado em claro conflito de interesses questiona, em tom de indignação, onde
está a imoralidade de seu ato, confirma-se que o rebaixamento dos padrões
morais na política nacional não é um fenômeno isolado.
E no entanto, por opção do presidente Michel Temer, Geddel
permanece no cargo, enquanto o ministro que denunciou suas práticas
patrimonialistas saiu do governo. Não é uma situação condizente com o discurso
de um presidente da República que, 12 dias depois de herdar uma administração
esfacelada pela incompetência gerencial e pela corrupção avassaladora,
prometera defender a moral pública – e “não porque eu queira que haja
moralidade”, enfatizou Temer na ocasião, “é porque a Constituição determina”.
A permanência de Geddel indica que a disposição de Temer de honrar
os ditames da Constituição a respeito da supremacia do interesse público começa
a perder vigor diante das conveniências políticas. Entende-se que, ao montar
seu Ministério para superar a situação crítica na qual o País fora deixado pela
irresponsabilidade criminosa do lulopetismo, Temer tenha recorrido a amigos nos
quais reconhecia a habilidade necessária para ajudá-lo na tarefa de mobilizar o
Congresso em favor da governabilidade. O problema é que esses auxiliares
começam a se considerar intocáveis exatamente porque julgam controlar a base
aliada, cuja coesão é essencial para Temer.
Nesse contexto, Geddel tornou-se “fundamental” para o governo,
como disse o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), ao defender o
ministro: “Geddel tem o apoio do Parlamento, tem a confiança, tem exercido
papel fundamental para o governo na articulação política”. Para Maia, “o
governo precisa de tranquilidade e precisa continuar contando com Geddel”,
razão pela qual é preciso “virar essa página”. Na mesma linha foi o líder do
governo na Câmara, André Moura (PSC-SE), para quem “a oposição está se
aproveitando de um assunto que é muito pequeno perto de outros assuntos de
interesse do País para poder fazer disso um cavalo de batalha”.
Diante de tamanha veemência dos governistas, é o caso de perguntar
até que ponto o discurso sobre a necessária governabilidade não está servindo
para perdoar pecados que, fossem outros os pecadores, seriam considerados
capitais.
Leia, abaixo, editorial do Globo:
O governo Temer e suas
contradições
Com uma base do passado, o
Planalto tem de fazer reformas a fim de garantir o futuro; para isso, necessita
de negociadores políticos, mas não pode ser condescendente
A política brasileira tem extensa experiência em passar por
mudanças impostas pela realidade, executadas pelos mesmos agentes da ordem
anterior. Foi assim com o marechal Eurico Gaspar Dutra, vetor da queda do
ditador Getúlio Vargas, na redemocratização de 45, tendo sido ele mesmo um dos
que atuaram ao lado do caudilho no golpe do Estado Novo, em 37. Auxiliou na
construção do regime e também na implosão dele. Um símbolo nacional.
Outro exemplo de como regimes mudam e parte da elite se mantém no
poder ocorreu na mais recente redemocratização, na Nova República, em que a
morte de Tancredo Neves deu posse a José Sarney, político de destaque na base
da ditadura que acabara. E assim se vai levando, com transições geralmente
negociadas para que haja troca de guarda sem violência. Não é mal que assim
seja.
Consideradas as especificidades dos momentos da História, está no
comando, lastreado em bases constitucionais, o presidente Michel Temer,
representando o PMDB que aderiu ao lulopetismo, de forma mais clara a partir do
segundo governo Lula. Repete-se o script. Vice de Dilma, Temer herda o governo,
no impedimento da presidente, e precisa fazer consertos urgentes na economia e
na política.
Mais uma vez, um grupo que compartilhava o poder na ordem anterior
assume para reformar aquilo que ajudou a construir. No caso de Temer, há ainda
o ônus de levar para o Planalto um grupo de que fazem parte personagens
atuantes num período de enorme lambança ética, não apenas devido a mensalões e
petrolões, mas ao fisiologismo, uma prática na qual o PMDB sempre foi
especialista.
Os dissabores para o Planalto surgidos em torno de Romero Jucá,
Eduardo Cunha e, agora, Geddel Vieira Lima estão dentro deste contexto. Algo
como mais do mesmo. Entende-se por que haja maquinações, no governo e em sua
base no Congresso, contra a Lava-Jato.
O experiente Michel Temer não tem alternativas a não ser gerenciar
da melhor maneira possível essas contradições. É um governo de mudanças para o
futuro com uma base do passado. Ao menos um ponto básico está definido: o
conjunto de reformas para reequilibrar as finanças públicas, restaurar sua
credibilidade e a confiança em que o Tesouro sairá da rota da insolvência. Para
isso, será necessário aprovar a PEC do teto e a reforma da Previdência, para
começar.
É certo, portanto, que Temer precisa de especialistas em articular
alianças no Congresso essenciais para garantir a estabilização do país. Geddel,
um deles. Mas, se o governo for condescendente com a corrupção e outros
costumes deploráveis cultivados em Brasília pelo próprio PMDB, com o PT e
aliados de outrora, cometerá suicídio político e comprometerá todo este projeto
de emergência nacional.
De Brasília, Brasil 247, 23/11/2016, às 09h45 



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