A blasfêmia do Porsche
de Jesus.com
Por Juan Arias (*)
Como qualificar, desde um ponto
de vista de sensibilidade religiosa, a união do nome de Jesus a um Porsche de
luxo proporcionada pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha, membro da Igreja
Evangélica? E a situação é ainda pior se existe a suspeita de que a frota de
carros, cotados em mais de um milhão de reais, que Cunha possui poderia ser um
fruto maldito da corrupção política. Para muitos cristãos deve ter parecido
blasfêmia, um vocábulo que, em sua acepção original, significa um “insulto a
Deus” e, em seu sentido mais amplo, representa uma irreverência em relação a
algo considerado sagrado.
Cunha é, segundo sua biografia,
cristão evangélico, de uma igreja que considera Jesus como o filho de Deus. E
esse filho de Deus, segundo os textos sagrados, que os evangélicos conhecem e
sobre os quais meditam todos os dias, “não tinha onde repousar a cabeça”, era
mais um pobre entre os pobres, amigo e defensor de todos os desamparados.
Talvez o político e evangélico
Cunha não seja o maior responsável por esse circo de corrupção que suja a vida
pública do Brasil e deixa atônitos, com seus números milionários, os
trabalhadores honrados que suam para ganhar um salário que quase não é
suficiente para cobrir suas necessidades. Cunha pertence, no entanto, a uma
igreja, que se inspira nos princípios cristãos, mas que não esconde suas
pretensões de conquista do poder político no Brasil, chegando a sonhar com um
presidente da República evangélico que se baseie mais na Bíblia do que na
Constituição.
Isso faz com que os escândalos de
corrupção de Cunha, que poderiam ter circulado através de firmas que levam o nome
sagrado de Jesus.com, adquiram um simbolismo negativo que não deixa de
chocar e escandalizar duplamente.
Lendo a notícia sobre o Porsche
Cayenne registrado em nome da empresa Jesus.com, propriedade da família
Cunha, não pude deixar de me perguntar o que pensam essas centenas de milhares
de evangélicos sinceros, que, fiéis a seus princípios religiosos, sacrificam,
cada mês, de boa fé, uma parte de seus pequenos recursos para alimentar uma
Igreja cujos membros mais responsáveis se revelam milionários e, o que é pior,
acusados de enriquecimento ilícito.
O fato me trouxe à memória a
história de um trabalhador que perfurava poços com uma ferramenta rudimentar e
grandes esforços físicos. Levava ao trabalho um pedaço de pão com salsicha para
não perder tempo tendo que voltar a casa. Ouvi quando ele comentou, enquanto
secava as gotas de suor que escorriam por seu rosto, que aquele mês estava em
apuros porque não sabia se ia a poder pagar sua parcela à Igreja evangélica à
qual pertencia.
Temia a reprovação do pastor e
até o castigo do bom Deus. São dois mundos, que se cruzam e que usam o nome de
Jesus, para a esperança e a fé verdadeira, e também para blasfemá-lo. “Raça de
víboras”, assim o manso e pobre Jesus dos Evangelhos caracterizava aqueles que,
segundo sua própria expressão, “jogavam sobre os ombros dos outros pesos que
eles não podiam suportar”.
Dois mil anos depois, aquelas
palavras continuam a nos interrogar, enquanto seguem vivos os novos Pilatos que
lavam suas mãos ostentando inocência e que ainda se perguntam: “O que é a
verdade?”.
Uma questão para a qual os
brasileiros honrados, que amam e sofrem seu país, gostariam de poder ter uma
resposta nesses momentos difíceis, nos quais as palavras perdem seu valor, ou
são degradadas como a de Jesus, com o rótulo blasfemo desse Porsche Cayenne S
de luxo.
Até onde e até quando se manterá
contida a ira dos mansos que contemplam, incrédulos, cada manhã, a novela de
novas supostas e comprovadas desmoralizações por parte daqueles que deveriam
servir de guias e exemplos da vida pública?
Jesus, não o do Porsche de
Eduardo Cunha, mas o dos Evangelhos, afirmou que a verdade está sempre nas mãos
dos puros de coração e dos semeadores da paz. O ódio tem sempre um sabor
diabólico.
(*)
- Juan Arias é jornalista, correspondente no Brasil do jornal espanhol “El País”. Publicado na imprensa em 19/10/2015 - Copyright by Jornal da Besta Fubana
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