Por Emir Sader (*)
Pedi um encontro com a Dilma para
lhe entregar um exemplar do livro O Brasil que queremos, que eu organizei,
publicado pelo Laboratório de Politicas Publicas (LPP) da UERJ, e que vai ser
lançado publicamente na Conferencia Nacional dos Bancários, dia 29, no Anhembi,
em São Paulo.
Reencontrei a Dilma pela primeira
vez desde que o golpe a afastou da presidência. Pudemos conversar ontem,
quarta-feira 27, por duas horas, no Palácio da Alvorada, a sós, conversa solta,
sobre passado, presente e futuro. Quando lhe perguntei qual será a primeira
coisa que ela vai fazer voltando a assumir plenamente a Presidência da
Republica, e ela não hesitou:
"Vou restabelecer os
direitos de todos, que estão sendo tirados". É a decisão coerente com suas
declarações nas distintas manifestações e entrevistas em que ela tem
participado.
Quando lhe perguntei como ela se
sente mais discriminada: como mulher, como esquerdista ou como mulher não
casada, cuja família é composta por ela, a filha e os netos, ela tampouco
vacilou: "Como mulher, embora os outros aspectos possam acentuar essa
discriminação".
Esse aspecto se reflete mais
diretamente no grande apoio político, com enorme carga afetiva, que ela tem
recebido do povo em geral, mas das mulheres em particular, e das mulheres
jovens, em especial, o que a tem emocionado muito.
Eu conheci a Dilma ainda na
clandestinidade, nos anos 1960, na Polop, onde militávamos juntos. Era uma
primeira imagem dela, jovem, super militante, hiper dinâmica, característica
que ela nunca deixou de ter.
Só voltei a retomar contato com
ela já como secretária do governo do PT, no Rio Grande do Sul, na época dos
Fórum Social Mundial. Não é que fosse outra, mas tinha outra fisionomia, como
provavelmente também eu. Era uma super competente secretária, super
profissional executiva, característica que ela incorporou para sempre.
Depois ja foi cruzar com a Dilma
como ministra do Lula, coordenadora do governo como chefe da Casa Civil,
colocando em prática toda sua competência e exigência no cumprimento das
tarefas, aquelas qualidades que a levaram a ser escolhida pelo Lula para
sucedê-lo.
Ai voltei a cruzar mais vezes com
ela, naquele momento de ter sido escolhida, mas ainda uma incógnita se sua
candidatura vingaria ou não. Depois foi a campanha, a virada sensacional,
incluindo o ato com os intelectuais e artistas que eu organizei no Teatro Casa
Grande, como um dos momentos que marcariam aquela virada.
Nos últimos meses foram muitos os
encontros, pela mobilização popular contra o golpe, sempre marcados pela tensão
que a crise tem provocado em todos nós. Não sabia como a encontraria agora.
Ela chegou, simpática como
sempre, nos acomodamos na sala em que ela recebe as pessoas e logo retomamos a
conversa pelo passado, que necessariamente passa pelas referências a meu irmão,
o Eder, com quem ela recordava os pontos de encontro que teve, em Pinheiros,
quando ele lhe passou um pacote de documentos e depois os discutiu com ela.
Falamos de algumas
características da Polop, da referencia teórica central à Rosa Luxemburgo, da
admiração que mantivemos por ela, e da forma terrível em que ela morreu – pelas
mãos da polícia da social democracia alemã.
A conversa se aproximou do
presente, com a América Latina como tema recorrente – Cristina, Pepe Mujica,
Rafael Correa, Evo Morales, Hugo Chavez, Maduro -, mas também dos Brics. Ela
ressaltou a ausência sumamente significativa dos presidentes dos Brics, o
principal eixo de rearticulação da geopolítica mundial, em que seu governo nos
incluiu. Dilma expressou a relação muito próxima que ela mantem com o Putin,
assim como com o governo da China. Fica claro que, voltando à Presidência, vai
ser um objetivo central do seu governo.
Dilma faz uma lista das
principais atrocidades que o governo interino está cometendo, a que se somam
todo dia iniciativas negativas novas, como a retirada do FGTS da Caixa
Econômica para dar mais um presente para os bancos privados.
A principal dimensão que a Dilma
incorporou na crise, foi a prática constante da palavra – nos discursos, nas
entrevistas, nas reuniões públicas com representantes de movimentos, com
parlamentares e com intelectuais e artistas. Ela, que era, sobretudo, uma
dirigente que coloca em prática os programas do governo, se deu conta do papel
indispensável do convencimento das palavras, da reiteração dos argumentos.
Uma Dilma otimista, bem disposta,
pronta para retomar a Presidência do Brasil, consciente de que a derrota desta
iniciativa do golpe não terminará a ofensiva da direita contra ela. Mas que as
próximas ofensivas serão enfrentadas em condições muito menos favoráveis para a
direita e com a democracia brasileira muito mais forte.
A referência permanente, mais
importante, em quem também para ela, repousam as maiores esperanças sobre o
futuro do pais, é o Lula, o eterno presidente e líder de todos
Terminamos a conversa, depois
dela folhear o livro e inteirar-se dos seus temas e autores, quando chegou a
hora dela sair para acupuntura. Eu saí muito contente do encontro e da longa
conversa, mais confiante ainda de que derrotaremos o golpe.
(*) - Emir Sader é um dos principais sociólogos e cientistas políticos
brasileiros. Artigo publicado em 30/07/2016, em Brasil 247.