É preciso investigar
esquema de Bolsonaro e PSL em Itaipu

Por Jeferson Miola (*)
A Ata Bilateral sobre Itaipu foi assinada secretamente em 24 de maio
passado pelos representantes das chancelarias do Brasil e do Paraguai.
Referida Ata, que modifica a forma de contratação pela ANDE [Administración
Nacional de Eletricidad] da energia de Itaipu para consumo do Paraguai, só
foi conhecida devido ao escândalo que quase culminou na abertura de processo
de impeachment do presidente paraguaio Mario Abdo Benitez e
causou a demissão de autoridades do governo paraguaio, dentre elas o chanceler
e o embaixador no Brasil.
Não fosse a denúncia de técnicos da estatal ANDE, um esquema corrupto de
negócio já estaria em andamento.
Os termos do acordo, concebidos por agentes privados diretamente
interessados no negócio, são uma obra-prima de predatismo e rapinagem de bens
públicos: nefastos aos interesses dos 2 Estados nacionais, mas magnânimos com
uma empresa vinculada a políticos do PSL.
Ante a crise instalada no país vizinho, Bolsonaro apressadamente
concordou com a decisão unilateral do Paraguai de cancelar o acordo. Como
justificativa para o rápido e inusitado recuo, ele pretextou preocupação com a
estabilidade política do aliado, que poderia ser destituído em processo sumário
de impeachment.
A realidade revelada por segmentos da imprensa paraguaia mostra,
contudo, que o motivo da pressa do Bolsonaro pode não ter nada a ver com
solidariedade política com o presidente paraguaio, mas sim com o objetivo de
abafar o caso e evitar que venham a público detalhes de um escândalo de
corrupção que envolve seu governo, seu partido e alguns aliados íntimos.
No centro da tramóia está Alexandre Giordano, suplente do senador Major
Olímpio/PSL [líder do Bolsonaro no Senado e aliado fiel da família em SP], que
figura nas negociações representando interesses da empresa LEROS.
A LEROS explora jazidas de diamante e nióbio no Brasil. Por
coincidência, durante o encontro do G20 em Osaka/Japão, Bolsonaro surpreendeu o
mundo numa live patética fazendo propaganda do potencial
comercial de nióbio …
A TV Telefuturo do Paraguai apresenta um panorama completo do complicado
processo. Na reportagem,
a emissora mostra mensagens de WhatsApp enviadas por José
Rodríguez, que se apresentava como assessor jurídico do vice-presidente
paraguaio Hugo Velázquez, ao presidente da ANDE, Pedro Ferreira, com instruções
sobre os termos da Ata que a estatal deveria incluir.

Nas mensagens prévias à assinatura da Ata, que ocorreu em 24 de maio, o
assessor José Rodriguez fazia menção ao “modelo de contrato com uma empresa
brasileira” sem, no entanto, nomear qual empresa se tratava.
Em 5 de junho, já com a Ata assinada, o nome da empresa beneficiada
aparece em mensagem que José Rodriguez enviou ao presidente da ANDE para
solicitar uma reunião, uma vez que “o representante comercial da empresa
LEROS do Brasil se encontra no país a fim de dar seguimento ao acordo de compra
e venda de excedente de energia ao mercado brasileiro”.
Na mensagem, o assessor do vice-presidente paraguaio sublinha que os
representantes da LEROS “vêm em representação da família presidencial do
país vizinho”.
Em 15 de julho, José Rodriguez informou o presidente da ANDE sobre o
envio, para a LEROS, da carta de intenções para a empresa operar, com
exclusividade, o mercado anual de mais de US$ 200 milhões de energia excedente
do Paraguai.
Em resposta a Rodriguez, o presidente da ANDE esclareceu que não poderia
haver exclusividade para a LEROS, pois a venda da energia excedente deveria se
dar mediante procedimento licitatório em busca de melhor preço.
À continuação, Rodriguez enviou mensagem a outro diretor da ANDE recomendando
confidencialidade sobre os termos da Ata “devido a que, em
conversações com o mais alto posto de mando do Brasil se concluiu
que não é o mais favorável, a fim de resguardar o manejo prudencial
da informação para que a operação em marcha [o contrato exclusivo com
a LEROS] se efetive com o maior êxito” [sic].
Rodriguez justifica a decisão de manter a clandestinidade do negócio uma
vez que “a autorização de ambos mandatários [Abdo e
Bolsonaro] já se encontra verbalmente acertada”.
Em 12 de julho, um intermediário da ANDE havia enviado por correio
postal diretamente a Kleber Ferreira [um dos fundadores da LEROS] e a Alexandre
Giordano, o político do PSL – e não ao governo brasileiro – a carta de intenção
para a exploração deste negócio.
Em discurso após cancelar o acordo para sustar o processo do seu impeachment,
o presidente paraguaio disse que “não vou tolerar a corrupção, que não
importa o quanto doa, por causa da proximidade de meus colegas e amigos de
luta, isso não nos dá o direito de ter má conduta na administração de coisas
públicas. É por isso que ordenei que aqueles que participaram do processo,
talvez sem má vontade, sejam removidos do cargo”.
Ou seja: para se salvar, o próprio presidente paraguaio – citado por um
operador do seu governo como alguém que “acertou verbalmente” com Bolsonaro o
esquema a favor da LEROS – admitiu o esquema de corrupção.
Estamos diante de uma suspeita forte de corrupção que atinge diretamente
o gabinete e o partido presidencial [PSL] e que, além disso, põe em risco uma
área sensível e estratégica para o Brasil, que é o suprimento de energia
elétrica pela Usina Binacional de Itaipu.
É preciso, por isso, investigar a fundo a presença indevida de
particulares do entorno do Bolsonaro em negociações que envolvem altos interesses
do Estado brasileiro.
É preciso descobrir o que tem por trás da pressa do Bolsonaro em evitar
o esclarecimento disso que pode ser um escândalo bilionário de corrupção que o
envolve diretamente e a políticos do PSL.
(*) – Jeferson Miola é integrante
do Instituto de Debates, Estudos e Alternativas de Porto Alegre (Idea). Foi e coordenador-executivo do 5º Fórum Social Mundial. Artigo publicado em Brasil
247, em 05/08/2019
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